1985 (2018) | |
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Direção: Yen Tan Elenco: Cory Michael Smith, Virginia Madsen, Michael Chiklis, Jamie Chung |
O primeiro plano de “O Ano de 1985” é o de um homem entrando em foco. Revelando-se para a câmera – e para o público. E é isso que vai acontecer na próxima 1h30 de filme. O protagonista Adrian (Cory Michael Smith) vai se desvelar para nós e, de certa forma – ou de forma mais velada –, para sua família.
E nessa dualidade reside a tensão do filme. Porque nós crescemos, fazemos escolhas, nos tornamos quem somos – e decidimos quais partes disso desejamos compartilhar ou não com nossos pais e irmãos. Mas existem algumas partes tão fundamentais – tão definidoras de quem se é – que, ao excluir sua família delas, você acaba afastando-a de tal maneira que ela não faz mais parte da sua vida. Eles não sabem quem você realmente é.
O resultado é uma relação que passa a se basear em pequenas mentiras e omissões. E são essas pequenas mentiras e omissões que carregam e colorem o p&b de cada plano de “1985”. O filme acompanha Adrian no natal do ano-título, quando ele viaja de Nova York para rever sua família cristã-conservadora no interior do Texas. Faz alguns anos que ele não volta ali. O pai, Dale (Michael Chiklis), estranha os presentes caros que ele trouxe. A mãe, Eileen (Virginia Madsen), quer que o filho se reencontre com Carly (Jamie Chung), sua amiga/namoradinha de infância. E o irmão fã de Madonna e presidente do grupo de teatro da escola, Andrew (Aidan Langford), ainda está bravo porque Adrian não deixou que ele fosse visitá-lo em NY.
Mas o real motivo do retorno do protagonista é algo que o diretor malaio Yen Tan só vai revelar no subtexto, e nos detalhes, de cada cena. “1985” é um filme em que todo elemento existe em função desse subtexto, e a mão pesada do cineasta nesses vários indícios é o sintoma mais claro de como esse é seu primeiro longa.
Porque qualquer espectador que prestar atenção ao título, e tiver um mínimo de conhecimento sobre o que estava acontecendo na época, vai sacar com menos de 15 minutos o que Adrian só revela na meia hora final. E isso não é um problema. Porque a tensão e o conflito dramático do filme vêm exatamente da impossibilidade do protagonista dizer essa verdade tão óbvia ali naquela casa, que deveria ser para ele o lugar mais seguro do mundo. E o longa funciona ao fazer o espectador conviver com Adrian na claustrofobia e na angústia causadas pela violência desse silêncio.
Num filme tão calcado em diálogos, Yen Tan – e seu diretor de fotografia e co-roteirista Hutch – sintetizam isso na melhor imagem da produção, quando o personagem chora, sozinho, no meio de um campo ao dar uma volta com o cachorro. Não é sutil, mas talvez isso torne “1985” ainda mais interessante: como ele mostra que esse elefante branco tão óbvio, tão presente em cada momento, não era discutido, e o efeito trágico e doloroso disso para aquelas pessoas.
O preto e branco da fotografia, nesse sentido, tem um papel curioso. Ele serve para reforçar essa ideia de passado, de “filme de época”, para uma produção obviamente sem muitos recursos para reconstituir os anos 80 com figurinos ou design de produção. E acaba soando um tanto artificial e transparente, como as meias-verdades (não) ditas por Adrian, ao mesmo tempo em que empresta uma melancolia muito adequada ao longa.
A funcionalidade de todos esses elementos e o bom trabalho do elenco – em especial, da boa Virginia Madsen e do jovem Cory Michael Smith – acentuam ainda mais a obviedade desnecessária da trilha musical de Curtis Heath. Melodramática em excesso, ela parece querer antecipar pontos importantes da trama, como se o público não fosse capaz de fazer uma série de conexões e inferências por conta própria.
Ainda assim, “1985” emociona e sabe bem o que quer dizer. Yen Tan tenta abrir um pouco o escopo de seu longa no plano final, revelando o aspecto macro da história que acabou de contar, mas o recurso acaba deslocado e desnecessário. Porque isso já está claro no elemento central, e mais sutil, do filme: a relação de Adrian e Andrew. Nela, está contido um certo passar do bastão, um diálogo silencioso de gerações – que nunca aconteceu totalmente, numa lacuna que o cineasta quer ajudar a suprir – e uma justaposição de sacrifício e esperança que é a síntese de tudo que a produção deseja ser.