A Segunda Guerra é hoje


“Gibi de Segunda Guerra tem que ser antifa!” Assim começo este texto com as aspas de Raphael Fernandes, roteirista, editor e organizador da HQ Arquivos Secretos da Segunda Guerra Mundial, quadrinho nacional lançado recentemente pela Editora Draco.

Fuzis e tanques

A Segunda Guerra realmente é um marco histórico. Ela foi fruto de diversos filmes, contos, quadrinhos, livros, foi pano de fundo para criação de heróis e, como todo movimento mundial, seja um conflito ou uma pandemia, alterou completamente o curso da humanidade.

Não é de hoje que revisitar os acontecimentos da Segunda Guerra emociona e nos faz refletir. Porque independentemente de qualquer ficção que possa ser criada com fatos que aconteceram durante o período da Guerra, saber que algo tão terrível existiu com tamanha magnitude é assustador.

Foram diversos bombardeios, incontáveis invasões, praticamente 85 milhões de mortos. Trabalho escravo e extermínio, estupros e vidas destroçadas. Medo, ódio, doenças. Experiências de médicos loucos que faziam dos oprimidos cobaias. Duas bombas nucleares.

Uma guerra está muito, mas muito longe de ser apenas um conflito entre o bem e o mal com alguns tiros de fuzis e tanques. O quadrinho Arquivos Secretos da Segunda Guerra Mundial, deixa isso muito claro.

Mas antes de falar da HQ, vamos dar uma volta por uma história ressente.

Vilões que criam vilões

A Segunda Guerra Mundial sempre foi um tema que me fascinou muito. Pois, me intrigava o fato de uma pessoa conseguir, com seu discurso, manipular uma nação inteira a ponto de iniciar um conflito mundial que durou cerca de 6 anos. O mais curioso era que o discurso de Hitler era pautado numa soberania de raça da qual ele mesmo não fazia parte.

Ainda em minhas pesquisas curiosas durante a minha adolescia eu pensava: “Como ele conseguiu? Não podia ser só uma questão de ter uma fala magnética. Tinha que ter mais coisas.” E realmente tinha.

Então, passei a estudar muito mais sobre a Segunda Guerra para escrever meu livro A Esperança é Azul. Foi aí que percebi que havia todo um contexto de fragilidade e descrença de uma nação. Hitler só disse o que os alemães queriam ouvir. Foi nacionalista, foi patriota, foi hegemônico. Ora essa, quem não quer viver num país soberano, ainda mais depois da Alemanha ter saído humilhada da Primeira Guerra?

Hitler criou vilões para poder atacar, sejam imigrantes, judeus, comunistas, negros, ciganos. Ele precisava de alvos, pois ao apontar culpados pela decadência da Alemanha se vendeu como a única solução.

Porém, tinha uma coisa nas minhas pesquisas que me deixava tranquilo, 1939 estava distante. A história mostrou como o fascismo e o autoritarismo estavam errados. Nada disso poderiam acontecer novamente, já que não somos burros.

Chegou 2018 e me enganei.

Vou começar uma Guerra

Hitler não subiu em cima de um palanque, de um dia para o outro e gritou: “Vou começar uma guerra”. Não, ele foi aos poucos. Pois, falava o que a nação alemã queria ouvir e, por meio da ideologia autoritária e nazista, fez a massa seguir o seu ideal de soberania.

A Alemanha estava machucada, quebrada. Hitler era o “remédio amargo” necessário para curar a Alemanha.

O brasil moderno também está machucado. E acredito eu que o brasil nunca esteve saudável. Porque desde o momento em que os portugueses invadiram as terras brasileiras em 1500, a nossa nação se ergueu no meio de jeitinhos e corrupções. No meio do assédio e do preconceito. No meio das chicotadas e das balas.

Um povo majoritariamente pobre, que se esforça demais para colocar o pão de cada dia na mesa, se sente invadido quando vê governantes tirar o dinheiro sofrido deles.

E todo governante que pisa nessa terra tira nossas riquezas. Seja os portugueses em caravelas ou os brasileiros em ternos e gravatas.

Nossa nação foi se machucando historicamente, sem descanso. E então, com o povo cansado e quebrado surgiu nosso próprio Adolf Hitler com ideias de soberania, abraçando o fascismo e flertando com os acontecimentos de 1939 na Europa.

“Ele é o ‘remédio ruim’ que o provo brasileiro precisa para se reerguer”. Foi isso que eu ouvi de um amigo dias antes das eleições.

A gente sabe o que acontece com remédios ruins em uma nação.

Quadrinhos e política

Se você chegou até este ponto do texto pode estar ou extremamente nervoso ou concordando com meu ponto de vista, mas, independentemente do pensamento, você pode estar se perguntando: “E o que isso tem a ver com a HQ?”

A grande questão é que quadrinhos é política. Livros, filmes, quadros, teatro e música também são. Sempre foram. Pois, a arte é reflexo de nossa sociedade, e os movimentos artísticos só são criados por causa do nosso meio social. Você pode não perceber e nem identificar, mas toda obra fala de sociedade e política, seja explicitamente ou não. De Naruto à Batman: O Cavaleiro das Trevas. De Cavaleiros do Zodíaco à Watchmen.

Arquivos Secretos da Segunda Guerra Mundial também é política, e não só porque o tema é guerra, mas porque ela está inserida em um contexto do brasil de 2020. Contexto esse em que há uma polarização social e paralelos muito claros sobre os regimes fascistas no discurso de governantes atuais do brasil.

Pessoas podem não concordar, pessoas podem não acreditar ou até mesmo não querer ver. Mas a Terra não deixa de ser redonda só porque muitos acreditam que ela é plana.

Aprender para não repetir

É exatamente esse paralelo da guerra na Europa no início da década de 1940 com o brasil de hoje que Arquivos Secretos da Segunda Guerra Mundial consegue explorar em suas histórias.

Antologias são muito difíceis de se fazer. Pois, é complicado juntar roteiristas e desenhistas tão diferentes e fazer com que eles criem histórias homogêneas. Mas a unicidade do discurso está lá, em cada página.

E não importa se a história se passa no futuro, ou no passado. No brasil ou na Alemanha. Se é baseada em história real ou ficção. Ou se o ponto de vista da narrativa é na perspectiva do Eixo ou dos Aliados. O sentimento de desastre iminente é sentido nas batidas do nosso coração em cada página virada.

Arquivos Secretos não apresenta apenas histórias ambientadas numa Guerra que passou, mas é quase um aviso do que pode acontecer. Igual ou diferente, em uma amplitude global ou nacional, mas pode acontecer. E isso é assustador. É um pedido de socorro.

Arquivos Secretos é quase uma súplica para trazer o leitor para a realidade. Como Icles Rodrigues, mestre em história disse no prefácio do álbum: “Aprender e lembrar para que possamos evitar repetir”.

É a HQ que precisava ser feita neste 2020.

Tico Pedrosa é roteirista, escritor e fã de quadrinho desde sempre. Você pode conferir as ideias dele no instagram e twitter.


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