Escolhas e a vida à deriva


Quando penso em trazer um texto para esta coluna semanal me preocupo muito em escolher algo que vai além do estético e consegue nos atingir de maneira mais sentimental, algo que no final da leitura, agregue uma experiência muito maior do que uma variedade de explosões e magias tão frequentemente utilizadas em quadrinhos americanos ou em mangás mais populares. À vezes, são histórias mais mainstream, outras vezes mais alternativas. Quando pensei em trazer Pobre Marinheiro, foi simplesmente porque essa HQ tão pequena conseguiu trazer grandes significados para os tempos modernos.

Popa

Lançada em 2013 pela Balão Editorial sob o selo Coleção Zug, Pobre Marinheiro traz a adaptação de um conto do poeta francês Guy de Maupassant, roteirizado e desenhado por Sammy Harkham.

A história mostra Thomas, um rapaz que vive uma vida pacata com sua esposa, Rachel. Nada é ruim, porém não há grandes emoções. Em uma rotina quase que imutável, eles moram em uma casinha no meio do nada. Cultivam e criam a própria comida. Dormem juntos, trabalham juntos e ficam, constantemente, arrumando e reformando a humilde casa onde moram.

Mas a pacata vida dos dois muda quando o irmão de Thomas, Jacob, aparece. Jacob é um marinheiro, capitão de sua embarcação. Vive a vida no alto mar, pescando e vendendo os peixes. Após uma dessas longas viagem, Jacob aparece na porta da casa de Thomas com uma proposta: seguir a vida de manheiro ao seu lado.

Thomas se balança com a proposta, e após dias e noites de reflexão, decide deixar a esposa para seguir a vida aventureira de um marinheiro.

Proa

Mas a vida de marinheiro não era tão aventurada assim, e Thomas passa a ter diversos problemas que os fazia questionar sobre suas escolhas. Será que fez o certo? Será que deixar sua esposa para viver no alto mar foi o correto? E Rachel? Como estará Rachel?

Olhando de fora, um álbum quadradinho, que cabe na palma da mão e tem como narrativa quadros únicos por página, faz você até pensar que Pobre Marinheiro será uma leitura rápida, mas não é. Mesmo com poucos diálogos somos levados a diversos momentos de reflexão nas profundas ondas feitas com a arte simples de Sammy Harkham.

Momentos que são perfeitos para sairmos um pouco da história e ser levados pelas ondas de nossos pensamentos. Questionar sobre nossas escolhas e buscar refletir onde as ações de nossa vida nos levou.

Entretanto a grande questão sobre as escolhas não é se são certas ou erradas, e caso você escolha a errada receberá uma punição. Escolhas são escolhas, não tem lado. Mas acredito que os motivos dessas escolhas vão permear as consequências trazidas por elas.

Thomas sofreu as consequências.

Vela

Thomas amava sua esposa, e aparentemente gostava de sua vida. Mas quando a oportunidade de ser marinheiro surgiu, a escolha de largar tudo e seguir veio por um único motivo: ele queria uma vida mais emocionante para ele. Foi o simples orgulho que falou mais alto.

As vontades, desejos ou mesmo os sentimentos de Rachel não foram levados em consideração. Thomas quis viver uma vida nova e menos pacata e para isso não dispensou a oportunidade de sair mundo à fora na esperança de que, quando voltasse, sua esposa estaria o esperando.

Na verdade, geralmente, ninguém fica esperando. Pois Rachel também tinha um motivo, um porquê de viver. Quando Thomas escolheu seu novo caminho, pouco importava para eles, os motivos de sua esposa.

Bússola

Pobre Marinheiro me fez refletir sobre as escolhas. Tanto aquelas que venho fazendo como aquelas que atualmente presencio. Não quero entrar em méritos dos tipos de escolhas. Pois, podem ser escolhas durante a relação em um casamento, escolhas na resposta ou posicionamento sobre algo, e até mesmo escolhas políticas que o brasil vem fazendo desde 2016.

Quando escolhemos com orgulho e as escolhas são feitas visando unicamente o bem pessoal as consequências chegam até nós. Se antes de fazer algo, o que impulsiona você para a resolução são frases como “porque eu quero”, “porque é para mim”, “porque é para minha família”, “porque é para minha saúde mental” e essa resolução afeta outras pessoas de maneira negativa, sua escolha, a curto ou longo prazo, pode ter consequências desastrosas.

Podemos dizer que Thomas tinha um trabalho muito mais fácil que o nosso, pois precisava entrar em consenso com apenas uma pessoa: Rachel. Nós, no mundo real, precisamos estar com a bússola atenta para todas as direções e, de maneira coletiva, pensar em nossas escolhas. Escolhas que precisam refletir todas as religiões, classes, raças, gêneros. Todas as famílias.

Porque só assim, com o pensamento coletivo, as consequências serão benéficas a todas as pessoas.

Mas, claro, podemos começar com o mesmo exemplo de Thomas, e trazer as escolhas para mais perto, de inicio. Para dentro do lar. Para os filhos, cônjuges, pais, irmãos. E refletir antes de agir: “quais são os reais motivos de minhas escolhas”.

Não deixe a vida ficar na deriva eterna de suas más escolhas. Uma vela bem-posta ou um remo bem usado, pode mudar a direção de algo que aparece fadado a afundar.

Tico Pedrosa é publicitário, roteirista, escritor, professor e criador de conteúdo. Fã de quadrinho desde sempre. Você pode conferir as ideias dele no instagram e twitter.


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