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A identidade brasilis

14.08.09

por Daniel Oliveira

Tempos de paz

(Brasil, 2009)

Dir.: Daniel Filho
Elenco: Dan Stulbach, Tony Ramos, Daniel Filho, Louise Cardoso, Aílton Graça, Anselmo Vasconcelos, Ewa Stulbach

Princípio Ativo:
o texto de Bosco Brasil

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Passar pela imigração de um país estrangeiro é descobrir que, mais assustador que não ser quem você é, é não ser quem os outros esperam que você seja. Sorte que Clausewitz (Stulbach) é um ator. Ou não.

O Brasil precisa de braços para a lavoura.

Talvez não seja sorte. E talvez ele não seja ator. “Tempos de pazâ€, adaptação da peça “Novas diretrizes em tempos de pazâ€, manipula essa complexa questão da identidade na história do tal Clausewitz, polonês que chega ao Brasil em 1945. Declarando-se agricultor e falando um português quase perfeito, ele acaba indo parar nas mãos do severo agente Segismundo (Ramos).

Quem é Clausewitz? Quem é Segismundo? E quem é o Brasil?

O polonês acredita que nosso país é uma terra de crianças, com uma língua falada por passarinhos. O agente afirma que essa é uma nação em que se cumpre ordens. No choque desses dois mundos proposto pelo texto de Bosco Brasil (adaptando sua própria peça), os dois aprendem novas concepções de Brasil e de si mesmos. Clausewitz descobre que aqui também se tortura, mata e intolera, como na Europa fascista. Segismundo descobre uma nação que chega no sonho desses novos ‘brasileiros’.

Duas palavras-chave se repetem nos diálogos: “vocês†e “bagagemâ€. Clausewitz e Segismundo são obrigados a se enxergar e a se revelar no confronto com um outro tão diferente, o você. E mais que um piano, um carro ou móveis, nossa principal bagagem é a memória, as lembranças que vão definir para sempre quem nós somos.

Tudo isso nos é apresentado nas ótimas sequências entre Dan Stulbach, uma esfinge magnética como Clausewitz, e Tony Ramos, que se confirma como nossa Meryl Streep, irritantemente confortável (e COM um pé na canastrice) em qualquer papel. As demais cenas, fora daquele galpão/escritório/palco, são tentativas desastrosas e desnecessárias de abrir o texto da peça, com personagens rasos e atuações ruins.

Até Daniel Filho parece dispensável. O diretor acrescenta pouco cinematograficamente ao ótimo texto de Bosco, tornando o galpão um palco com seus planos gerais e com as mudanças nada sutis (e incômodas) de iluminação, típicas do teatro.

Mas nem a vergonha alheia dos efeitos especiais canhestros consegue tirar a força do texto de “Tempos de pazâ€. É na beleza dos olhos de Stulbach e Ramos ao declamá-lo que reconhecemos, mais que uma mistura nacional de “Dúvida†e “A vida dos outrosâ€, o desmascaramento de um país que se diz múltiplo para não enxergar o que realmente é. É nela que vemos que o Brasil “precisa de muitas coisasâ€, não só de braços para a lavoura. Precisa de arte – para lembrar e para esquecer.

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Eis o filme.

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