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05.11.05

por Rodrigo Campanella

Cidade Baixa

(Brasil, 2005)

Dir.: Sérgio Machado
Elenco: Lázaro Ramos, Wagner Moura e Alice Braga

Princípio Ativo:
calor, calor demais

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Deco (Lázaro Ramos) espera, encostado na parede do corredor, pelo médico que atende o único amigo, esfaqueado. O lugar é um cortiço-pensão, fantasmagórico pela completa ausência de qualquer pessoa à vista. O único acompanhante na cena é um passarinho, que repousa na gaiola dependurada na parede do outro lado. Filmados quase em simetria, os dois são muito próximos: sem qualquer perspectiva de saída daquele lugar.

Os amigos são Deco e Naldinho (Moura), que tocam a vida fazendo fretes a bordo do barco em que são sócios. Numa noite, indo para Salvador, cruzam com a prostituta Karinna (Braga). Com o mesmo destino, oferecem carona em troco de um desconto no programa. A partir do momento em que o barco parte, o triângulo formado pelos três não encontra mais jeito de se abrir.

Filmar seres humanos untados de pólvora é coisa que vem se tornando recorrente no cinema nacional, com resultados acima da média (O Invasor, ContraTodos, Amarelo Manga). A diferença de Cidade Baixa é construir um filme que, ao mesmo tempo, é tão horizontal e não oferece qualquer horizonte. Karinna que é de Deco que é de Naldinho que é de Karinna. Seja qual for a ordem em que se joguem o nome dos personagens, suas vidas se resumem a isso. Não há espaço para sonho no jogo da sobrevivência, cada imagem parece gritar.

Deco de Karinna de Naldinho. A quadrilha incessante continua rodando embalada pela fotografia de Toca Seabra (O Invasor). A imagem da periferia quente e suja que parece já ter se tornado uma espécie de cartão-postal desse tipo de cinema surge como inédita. Você já viu aquela feira, você já viu aquele cortiço, você já viu aquelas cores. No entanto, elas surgem com cheiro de novo como não há igual.

Cidade Baixa não filma apenas carne, mas carne recheada de sangue por dentro. Não por acaso, o triângulo é marcado no começo e no fim do filme pela presença de feridas abertas. Essa sensação de sangue parece refletir, tão bem, na atuação do elenco. Lázaro Ramos e Wagner Moura são o pulso entre público e filme e criam aqui uma intimidade tão mais real do que a frieza de um ContraTodos ou do distante Entre Quatro Paredes.

Apesar do calor, Cidade Baixa parece ter carecido de forno. A briga no bar é apenas um dos pontos que ficam frouxos no roteiro. Aqui, a impressão de presente contínuo apenas deixa o filme mais pobre e, algumas vezes, com a sensação de que não há diretor conduzindo tudo. Se isso demonstra a qualidade do elenco, enfraquece a história que vai ser contada. Talvez por isso, com alguns dias Cidade Baixa diminui na memória, ainda que a primeira impressão daquelas imagens ainda bata, forte.

Eu, tu, nós, vamos todos cirandar...

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