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A aritmética de Nelson

21.04.06

por Rodrigo Campanella

Brasília 18%

(Brasil/2006)

Dir.: Nelson Pereira dos Santos
Elenco: Carlos Alberto Riccelli, Malu Mader, Karine Carvalho, Carlos Vereza

Princípio Ativo:
cristais

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18% é a umidade em Brasília. O filme é o 18º longa de ficção de Nelson Pereira. Mas a matemática é bem complexa.

Um autor vezes seus temas. Da próxima vez que alguém perguntar o que é o tal ‘cinema de autor’, aponte sem erro para ‘Brasília 18%’. Esse exemplo facilita as coisas: não é um grande filme, mas tem claramente atrás das câmeras alguém que assina cada imagem.

Nelson Pereira pega um tema chapado (‘corrupção’) e joga seu protagonista numa roda viva: como conciliar os amores da vida pessoal e a necessidade de brigar por justiça se todos interesses se entrelaçam? Brasília é o palco, mas aparece longe de qualquer imagem oficial ou metafórica de poder. O que se vê é o horripilante aspecto de ‘corte’ da cidade (o termo é do diretor em entrevista), palácio de reis onde o público e o privado sempre cabem na mesma gaveta.

A crítica dividida pelo mestre. Olavo Bilac (Riccelli, muito bem) é o legista que vem do exterior para confirmar a identidade do corpo encontrado de uma suposta secretária. A confirmação determina culpados e inocentes no (talvez) assassinato, que envolve orgias e desvios de verbas. Bilac, marionete do amor, poderia ter vindo de Truffaut.

Mas como recomendar a alguém um filme que lembra um Alfa-Romeo, potente e estiloso, andando com o freio de mão puxado? Sem saber ainda se a crítica em geral vai idolatrar o mestre sem falar do filme ou se vai crucificar a película sem olhar mais a fundo, só dá para dizer: ‘Brasília 18%’ confirma que um filme mediano de um grande diretor ainda é melhor que um bom filme sem direção.

A tela mais a luz. Além da elegância ao construir o protagonista, o diretor trabalha realidade e assombração no mesmo plano, deixando quem assiste numa insistente dúvida que às vezes vira poesia. Contribuem para isso a mão firme no jogo noir da luz (Brasília ainda mais assustadora), e as soluções visuais, como quando o sistema de corrupção é desvendado via seqüência toda feita via espelho retrovisor de um carro. Sensacional.

A raiz quadrada. Mesmo com todas qualidades, o filme nunca alcança ritmo ou poesia o bastante. Um problema de ‘cristalização’: Brasília 18% parece carregar no fundo uma intenção didática de ‘ensinar a olhar o Brasil’. Atores (Mader, Vereza, Otávio Augusto) apenas repetem tipificações da televisão, mas agora falando de um modo que é difícil de acreditar que alguém realmente use. E o que é um grande desabafo em poesia acaba tomando formas esquemáticas de ‘explicação’. Um combinado que não tem como dar certo - vira subtração.

As belas: a suposta ‘morta’ (à esq.) é muito mais viva que a outra

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