Eu me perguntei mais de duas vezes no meio da competitiva nacional se era eu que tinha ficado repentinamente feliz ou os ventos que haviam começado a soprar melhor, e talvez as duas alternativas estejam corretas. Uma despretensiosa sessão da Mostra do Filme Livre no inÃcio da tarde relaxou ânimos e expectativas.
Muito longe de tentar fazer Cinema, assim com maiúscula, os selecionados da Filme Livre são exemplos de despretensão que te pega pelo braço e funciona. “Nada com Ninguém†e “Veluda†são bons exemplos disso e um último curta, “Tchau Pai†arremata tudo. É uma menina que se despede do pai, ao longe, atrás das grades. Dois videastas filmam ao longe, captam a cena por acaso e deixam o momento acontecer. É o melhor exemplo de uma relação diferente com a imagem em movimento que percorre esses curtas, deixando-a mais longe de ser um totem (“A Imagemâ€) e mais próxima de um jeito de ver a vida, mas também sem afetações.
A dose de filme livre caiu bem como tiragosto para a competitiva nacional 5, e a leveza da primeira só deixou ainda mais saborosa a segunda. “Viva Voltaâ€, por exemplo, é algo sensacional, da idéia à execução. O foco é em Raul de Souza, trombonista de sucesso no exterior mas desconhecido na própria terra brasileira. Da poesia nas imagens enquanto as falas correm ao fundo à intenção nobre e escancarada do filme (você termina pensando “putz, tenho que conhecer esse cara...â€), tudo funciona com precisão que de modo algum é mecânica, mas é sim humana, de boa safra.
Mesmo “Nascenteâ€, membro daquela categoria de filmes que já nascem difÃceis por natureza, mexe em alguma coisa no peito do espectador, seja ele ou não freqüentador do belo-horizontino e sucateado Rio Arrudas. A meditação que o filme entrega em closes que doem de tão bonitos funciona, apesar de dar cansaço a certa altura. Fica a impressão de que se ele dividisse mais alguns segredos com quem assiste poderia ser muito melhor.
Do lado da narrativa mais tradicional, “O Diário Aberto de R.†faz apenas o feijão-com-arroz mas capricha na produção. É o exemplo de que não adianta (e não precisa) forçar invencionices quando a simplicidade pode ser a melhor saÃda. Funciona como história e funciona como cinema sem maiores pretensões, mas que feito tão bem.
Foi também o dia dos bons trabalhos de fotografia, com “Nascente†(trabalho sensacional de luz), “Dos Restos e Das Solidões†e o próprio “Viva Volta†competindo quem se espalhava melhor na tela. E, no meio da poesia, salvaram-se todos, mais cults ou somente irônicos como “Teoria da Paisagemâ€. Bom voltar para a frente do computador com a sensação de “hoje valeu a penaâ€, e isso ser a pura verdade.
