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Verdades absolutas, paga-se R$2. Sujeito à lotação.

Igreja Revolucionária dos Corações Amargurados, curta-metragem

por Mariana Souto

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Programado como último curta da mostra, o filme de Carlos Magno provoca incômodo e reflexão. A montagem ritmada causa uma confusão positiva no espectador, que percebe a crítica à igreja mas não detecta um discurso construído ou panfletário. O efeito se aproxima ao de uma mensagem subliminar e a estética chamativa tem papel fundamental no envolvimento do público.

Mesmo porque “Igreja dos...†é uma experiência estética. Carlos Magno constrói o impacto do filme não só com o conteúdo (forte), mas com uma forma autoral; trilha, imagem e edição se juntam para fazer uma espécie de lavagem cerebral, assim como apontam que acontece nas igrejas e seus cultos hipnóticos. Se os fiéis entram em transe com música e mantras, o público entra em transe artístico e cultural. O curta possui uma potência imagética e um estranho magnetismo que parece ser planejado para atingir o inconsciente de quem assiste.

Em entrevista com o produtor Chico de Paula e a atriz Shyrlene Oliveira, soube que a equipe anunciava por alto-falante o culto realizado em um galpão numa região pobre. Ofereciam uma quantia (espécie de cachê simbólico) para quem entrasse e pegavam autorização de uso de imagem, mas ninguém sabia que era a filmagem de um curta. Shyrlene, apesar de ter gostado bastante, conta que sentia-se mal ao ver a “platéia†se envolvendo e acreditando, com direito a ‘em nome do pai’ e olhos fechados. Uma multidão se amontoava na porta querendo entrar, a ponto da polícia ter de ser chamada. O impressionante é que a tal quantia era de dois reais. Pois é.

O diretor exibe o povo sujeito às picaretagens de religiões. A Igreja Revolucionária dos Corações Amargurados usava em seus ritos nudez, sangue, bodes e ninguém questionava. A comunidade só se revoltou quando afetou o bolso. Por dinheiro, trocavam de crença. Provavelmente muitos eram de outras igrejas e, com a publicidade de alto-falante e o mísero pagamento, já abandonavam algo que dizia de seus princípios, verdades e valores.

Além de experiência estética, “Igreja†é um experimento sociológico. Seus efeitos e a polêmica metodologia podem ser discutidos amplamente. Carlos Magno, para mostrar como as pessoas se vendem, comprou-as. Para provar como acreditam cegamente, enganou-as. Seu ponto está provado. Pela crítica e arte, vale a pena cair nos mesmos erros que se critica? Os embates éticos foram conscientes na equipe, que não deixou de se questionar. Apesar de controverso, a força e a potência do curta são aspectos tão admiráveis que não deixam espaço para que nada seja assistido depois.




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