O Palhaço


Nossa avaliação

[xrr rating=5/5]

“Pensas que és um homem? Não és nada além de um palhaço! Veste sua fantasia e maquia seu rosto. As pessoas pagaram e  querem rir. Assim, se Arlequim rouba sua Colombina, ria, palhaço — e todo mundo aplaudirá. Transforme a sua agonia e sofrimento em piadas, transforme as suas lágrimas e mágoas em careta! Ria, palhaço, de seu amor despedaçado! Ria da dor que envenena seu coração!”

Assim termina o primeiro ato de “Pagliacci”, ópera de Ruggero Leoncavallo apresentada pela primeira vez em 1892. Como se vê, a história do palhaço triste que esconde sua dor para fazer os outros rirem não é novidade. Mas o filme dirigido e escrito por Selton Mello vai além da tristeza dissimulada atrás da maquiagem.

“O Palhaço” é uma história simples que celebra a arte, a amizade, e o amor entre pais e filhos. É um tributo ao circo, a Charles Chaplin, Renato Aragão, Federico Fellini, Guel Arraes, Wes Anderson. Mas principalmente, é sobre encontrar seu lugar no mundo.

Selton Mello é Benjamim, um palhaço que não sabe bem se quer mesmo continuar fazendo as pessoas rirem no circo de seu pai (Paulo José). Seu desconforto com a atual situação é metaforizado na sua obsessão com um ventilador: o alívio do vento no rosto trazido pelo aparelho pode representar a paz de espírito que o personagem tanto anseia. Essa questão da identidade perdida é muito bem trabalhada dentro do filme, com Benjamim sabendo como atuar todas as vezes que se fantasia (seja como palhaço ou como vendedor), mas sem saber como se portar quando é obrigado a ser ele mesmo.

Para mostrar esta jornada de auto-descoberta, “O Palhaço” apresenta três arcos narrativos distintos que começam juntos para em seguida se separarem apenas para se reencontrarem depois. Acompanhamos Benjamim, seu pai e a pequena Guilhermina (Larissa Manoela) em um road movie que percorre o interior do Brasil em um passado sem muita exatidão (alguns detalhes, como as cédulas de dinheiro, dão a dica de que a história não se passa no presente). Os três estão em busca de algo que os complete, que dê sentido à vida fora do espetáculo.

Em seu entorno, o filme apresenta uma série de personagens cativantes e inesquecíveis, seja a própria trupe do circo ou as várias participações especiais que pipocam ao longo da projeção. Com delicadeza, Mello vai contando sua história sem pressa, com planos belamente elaborados e trilha sonora precisa. Há muito cuidado com a direção de arte e o uso das cores (repare como o vermelho – não por acaso o mesmo do nariz de palhaço – é sempre colocado no filme como forma de “dar vida” aos tons sépias que dominam os locais por onde a trupe passa, enquanto cores frias são usadas nas paisagens urbanas), enquanto o elenco está perfeito e o equilíbrio entre drama e humor se dá sem muita dificuldade, apoiado em um roteiro enxuto encenado com perceptível carinho.

Do primeiro plano que apresenta um carro vermelho cortando o tom árido de um canavial, ao lindo plano-sequência que o encerra, “O Palhaço” não é apenas uma viagem por um Brasil normalmente ignorado, mas também um passeio pelas complexidades da nossa condição humana. Na evolução do mesmo espetáculo insistentemente repetido ao longo da narrativa, acompanhamos as transformações de Benjamin, seu pai e Guilhermina, e vamos sendo aos poucos tomados por uma alegria por vezes melancólica, mas com certeza marcante. E que vai te deixar com um sorriso no rosto após o fim do filme. Quero dizer, do espetáculo. Ria, palhaço.


6 respostas para “O Palhaço”

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