Prometheus


Nossa avaliação

[xrr rating=4/5]

“Aqui estamos nós, neste lugar remoto, marchando num deserto onde nenhuma criatura humana vive. Apenas pense, Hefesto, nas ordens de Zeus, teu pai, em acorrentar nestas montanhas de inacessíveis píncaros um criminoso com cadeias indestrutíveis de aço puro. Ele roubou o fogo, teu atributo, para transmiti-lo aos mortais! É hora de pagar aos deuses pelo crime, para que aprenda a resignar-se humildemente ao mando soberano de Zeus poderoso, deixando de querer ser benfeitor dos homens”.

Assim começa a clássica peça grega “Prometeu Acorrentado”, de Ésquilo. Contando como o titã do título foi condenado ao sofrimento eterno por ter dado o fogo aos homens, a peça se concentra mais na dinâmica moral do surgimento da civilização (o “fogo” na verdade simboliza o conhecimento, o início do saber racional) do que na ação dos personagens. Apesar de escrita cerca de quatro séculos antes de Cristo, a histórias possui muito mais paralelos com “Prometheus” do que o nome no título.

Dirigido por Ridley Scott, este prelúdio de “Alien – O Oitavo Passageiro” começa com uma imagem impactante. Um ser extraterrestre (que será chamado durante o filme de “engenheiro”) tem seu dna usado como base para o surgimento da vida na Terra, surgindo de forma óbvia como o Prometeu da mitologia grega (e para reforçar ainda mais os paralelos, o design dos “engenheiros” lembra figuras de mármore com a musculatura bem definida, exatamente como as estátuas dos deuses gregos). Já no nosso futuro, escavações levam à descoberta de um possível local de origem destes seres que teriam dado início à humanidade, o que faz com que a megacompanhia Weyland financie uma viagem espacial em busca de nossas origens.

“Prometheus” vai seguir a cartilha de “Alien” e se apresentar como um filme para depois se tornar outro: neste caso aqui, de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” vamos para “O Planeta Proibido”. Ou seja, de uma ficção científica filosófica religiosa vamos a um sci-fi de terror B. E o que poderia ser um problema, na verdade é um dos principais atrativos do filme. Isso porque a estrutura narrativa é bem construída para levar a esta transição, tendo como liga o poder da tragédia do mito grego.

A primeira dica de Scott de que estamos vendo na verdade um típico filme de horror é a apresentação da tripulação da nave que leva o título do filme. São todos seres arquetípicos, de fácil compreensão de suas características e sem maiores funções narrativas. Não é preciso desenvolvimento de suas motivações: assim como na peça grega, eles só estão ali para fazer andar a história maior que Scott quer contar. Neste sentido, o elenco funciona bem, apesar de não ser muito exigido. O destaque acaba ficando com Michael Fassbender e seu David, curiosamente o personagem mais dúbio de todos, apesar de se tratar de um androide.

A primeira metade da produção planta interessantes questões com relação à geração da vida e seu potencial destruidor. É nesta balança ambígua entre gerar/destruir que vai se desenvolver a tragédia que conduz a história. No mito grego, Prometeu é condenado a ter seu fígado eternamente devorado por uma águia, o que é interessante de se considerar quando lembramos de que nos filmes anteriores todos os aliens “nascem” do abdômen de seu criador, como o fígado eternamente destruído. É a vida que mata aquele que a gerou.

[spoiler] Além disso, é interessante perceber como a nave Prometheus do filme possui uma estrutura semelhante à águia. A Weyland (empresa dona do veículo) é a representação extrema da razão (Prometeu significa “pensar antes”), colocando sempre os objetivos antes dos sentimentos, como já demonstrado em todos os outros filmes da série “Alien”. Seria ela também um exemplo daquilo que fere o próprio criador?

O Prometeu Acorrentado do teatro conta que Zeus queria destruir a humanidade, assim como os “engenheiros” do filme. Em uma das possíveis teorias a respeito da história, podemos ver o extraterrestre do início como um ser independente que, sozinho (assim como o titã grego), resolveu se sacrificar pela humanidade, indo contra seus pares. A jornada da nave Prometheus é uma tentativa dos homens de alcançar o Olimpo, mas chegando lá os “deuses” não são benevolentes como se supunha. Mais uma vez retornando ao mito, o titã faz uma profecia de que Zeus será destruído por um de seus filhos: como os “engenheiros” destruídos pelas suas criações (humanos e aliens). [/spoiler]

As questões colocadas não são todas respondidas, mas são importantes para o que vem na segunda metade da projeção, quando Scott abraça de vez as influências lovecroftianas da sua história e entrega uma espécie de “Nas Montanhas da Loucura” com areia ao invés de neve. O problema aí é que tudo começa a acontecer rápido demais, de forma abrupta, chegando ao cúmulo dos roteiristas colocarem na boca do capitão Janek (Elba) a explicação da trama, não confiando no próprio filme para deixar aquilo claro para o espectador. Pecando também por não respeitar a lógica de relacionamento entre seus personagens e nos apresentar dois dos cientistas menos científicos já vistos, “Prometheus” derrapa um pouco em suas ambições, mas cumpre bem o papel de nos apresentar a um novo mundo (e aí o 3D faz toda a diferença – especialmente na tela Imax – seja nos corredores apertados ou amplos exteriores em cena).

Estruturado como uma típica tragédia grega, o filme abre a possibilidade de diferentes leituras acerca do potencial destruidor da criação. Gerar vida é também gerar morte? Tendo em vista o nosso ciclo de existência – e, claro, os filmes “Alien” – acredito que todos nós já sabemos a resposta. Afinal, o fogo que ilumina é o mesmo que queima…


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