Na Prateleira: Batman – O Retorno (1992)


Nossa avaliação

Após o sucesso do primeiro “Batman”, em 1989, Tim Burton teve mais liberdade para imprimir seu estilo na história do homem-morcego. Assim, “Batman – O Retorno” tornou-se um dos mais caros exercícios de estilo já produzidos, conseguindo criar um universo fantasioso muito próprio e entregando imagens que se tornaram icônicas.

O filme vai propor logo no início uma questão identitária promissora: quem é o Batman? Ou melhor, o que fez de Bruce Wayne ser quem ele é? A inspiração direta de Burton é “Cidadão Kane”: o filme abre da mesma forma, com as grades de uma mansão. Enquanto a obra-prima de Orson Welles vai voltar no tempo para mostrar as mudanças na personalidade de um homem poderoso, “Batman – O Retorno” vai criar um paralelo do Pinguim com Wayne. Ambos de famílias ricas, um se transforma em monstro enquanto o outro em herói. Wayne poderia ser o Pinguim. Seria uma simples questão de personalidade ou de ambiente social? No meio dessa disputa entre os dois homens (ou entre o morcego e o pinguim), vai surgir a Mulher-Gato. E aí, com a bicharada toda solta, o filme vai criando conflitos ególatras de um lado e sexuais do outro.

Um K em Cidadão Kane e um C em Batman

O Pinguim interpretado por Danny DeVito parece quase tão frágil quanto o Bruce Wayne de Michael Keaton, e ambos vão brigar por uma cidade a partir das expressões de suas idealizações representadas pelas fantasias que usam. Selina Kyle, no corpo de Michelle Pfeiffer, é a mulher submissa que de repente se torna independente como a Mulher-Gato, dominando o Pinguim, mas não resistindo ao macho-alfa do Batman e sendo dominada por ele. A mensagem machista não poderia ser mais clara: enquanto secretária sem graça, Selina é inoportuna, mas assim que a mulher se torna independente, vira a vilã da história. E também um símbolo sexual fetichista que só “sossega” quando tem um homem para cuidar dela.

Miau

Nos anos 80, Frank Miller e Alan Moore imprimiram ao Batman um aspecto sombrio que passava pelo autoritarismo fascista no caso do primeiro, e por uma esquizofrenia psicótica no segundo. Em comum, a violência como explosão das repressões do ser humano. Em “Batman – O Retorno”, Burton reapresenta os temas de Moore e Miller de forma afetada, e lima a violência da história. O resultado é um filme que potencializa, mas não realiza. Em outras palavras, promete e não entrega.

O caráter fascista de Miller está presente o tempo inteiro na figura ridícula do pequeno Michael Keaton como Bruce Wayne: como um Napoleão que se vê como um gigante, o milionário se torna maior com o auxílio da tecnologia, usando uma verdadeira armadura para vigiar as ruas à noite, julgando e condenando os bandidos. A crítica política está lá na figura de Max Schreck (Walken) e na transformação do vilão Pinguim em ídolo: o populismo e a corrupção como prova do equívoco do sistema democrático, fazendo da justiça com as próprias mãos por uma força repressora – poderia ser a militarização, mas no caso é o Batman – como a única solução para a Gotham City que parece construída por Fritz Lang.

- Acho que as nossas cenas estão sendo roubadas por uma gata...

A esquizofrenia e sexualidade de Moore são bem representadas em Selina Kyle. A mulher de dupla personalidade é também um potente objeto sexual, em uma roupa de couro sado-masoquista se vingando dos homens que a maltrataram. A loucura dos personagens – e como é próprio dos universos de Burton, todos são em alguma medida insanos – revela a dinâmica identitária tão cara a Moore: não seria o Batman um louco perseguindo loucos? A resposta é sutil, mas tocante na cena do baile à fantasia, quando Bruce Wayne e Selina aparecem como os únicos não fantasiados. Na verdade, Wayne é a fantasia do Batman, assim como Selina é a fantasia da Mulher-Gato.

O diretor vai mostrar tudo isso com seu particular senso de humor negro e um design de produção expressionista que vão criar um tom cartunesco para sua história. Trata-se do anti-realismo, um ambiente de farsa total que já apresenta indícios de no que o exagero vai descambar nos filmes de Joel Schumacher para o herói. Burton não está interessado, por exemplo, em explicar como é possível um bebê ser criado por pinguins, ou qual a lógica da “ressurreição” de Selina. E claramente o seu Batman só funciona neste ambiente de exageros, com atuações não-realistas, cenários expressionistas e frases de efeito.

A mansão de Wayne que parece uma caverna, a neve que cai contrastando o branco com a escura Gotham, as luzes e sombras do esconderijo do Pinguim: tudo é excepcionalmente bonito. Mas vazio. Burton apresenta o estilo e seus temas, mas não os realiza. São apenas expressões, arremedos de discussões mais profundas que o filme apenas passa de raspão. A vingança suprema do vilão, prometendo realizar o pesadelo judeu de matar os primogênitos, é também tão vazia quanto o restante da obra.

“Batman – O Retorno” não emociona. Os personagens não são bem desenvolvidos e as cenas de ação são sonolentas, estando lá só para cumprir de forma burocrática o espaço destinado a elas nos blockbusters. Entre discussões mais profundas e a pura diversão, o filme fica no meio do caminho. A impressão que dá é que Burton estava muito mais interessado em mostrar do que narrar. E não há dúvidas de que ele fez isso muito bem.


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