The Post (2017) | |
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Direção: Steven Spielberg Elenco: Meryl Streep, Tom Hanks, Sarah Paulson, Bob Odenkirk |
Entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970, uma nova geração de cineastas tomou Hollywood de surpresa trazendo frescor para uma indústria que parecia desconectada com a nova geração. Em sua maioria influenciados pelo Neorrealismo Italiano e pela Nouvelle Vague Francesa, estes diretores imprimiram uma tentativa de autoria em grandes produções e filmes de gênero, gerando clássicos como “O Poderoso Chefão”, “O Exorcista”, “Taxi Driver”, “A Conversação”. O mais famoso expoente desta “Nova Hollywood” acabou sendo Steven Spielberg que, curiosamente, parecia ser o menos devedor aos franceses e italianos, fazendo produções que se inspiravam diretamente em clássicos do próprio cinema produzido nos Estados Unidos. Se na década de 70 Spielberg poderia parecer um peixe fora d’água entre seus colegas, é interessante perceber como agora eles os referencia em “The Post: A Guerra Secreta”, fazendo um filme com cara dos thrillers políticos da época em que ele já era um diretor estabelecido, mas passava longe deste tipo de produção.
Isso porque Spielberg parece compreender o cinema a partir do cinema. Se para contar histórias nos anos 70 ele se voltava para diretores como John Ford, Alfred Hitchcock e outros tantos da chamada era de ouro de Hollywood, hoje ele se volta para seus próprios colegas da época para contar uma história real passada em 1971. É por isso que “The Post” parece ser mais um filme sobre os filmes da década da Nova Hollywood do que um drama realista. Não que isso seja de todo ruim.
Acertando no elenco fabuloso, o filme usa Tom Hanks e Meryl Streep para ancorar seu drama político-jornalístico entorno dos quais orbita um verdadeiro quem-é-quem das séries de tv. A dinâmica entre os atores funciona e o ritmo é bom, apesar de nunca conseguir atingir a mistura de urgência e informação do clássico do gênero “Todos os Homens do Presidente” (1976) para o qual “The Post” funciona como um prólogo (o jornal é o mesmo e os personagens de Hanks e Streep estão nos dois filmes). Contando os bastidores da denúncia que ficou conhecida como os “documentos do Pentágono”, o filme de Spielberg acompanha o vazamento de um relatório confidencial para aquilo que todo mundo sabia, mas não tinha como provar: o governo dos Estados Unidos, ao longo de diferentes presidentes e mandatos, tinha conhecimento de que a Guerra do Vietnã era uma empreitada destinada ao fracasso, mas mesmo assim insistiu no conflito, levando à morte de milhares de soldados e civis.
Mas “The Post” não é sobre investigação jornalística (muito pelo contrário, já que os documentos literalmente caem nas mãos dos jornalistas), mas sobre escolhas morais. Quando o The New York Times – que deu início às denúncias – é obrigado na justiça a parar de publicar suas matérias, sobra para o The Washington Post a oportunidade de dar continuidade a algo que o governo chamava de “traição” e “crime de espionagem”. É aí que Tom Hanks como o editor Ben Bradlee e Meryl Streep como a dona do jornal Kay Graham brilham em seus dilemas humanos que passam por medo, culpa e orgulho. “The Post” é sobre o dinheiro impedindo a verdade. Ou melhor, sobre como interesses comerciais se sobrepõem a interesses éticos. Quando se concentra nesta discussão, Spielberg consegue bons momentos de embate de ideias, e a escolha de emular seus colegas transgressores dos anos 70 cai como uma luva no tema do filme que versa sobre assumir o risco de ser contra o sistema.
Mas Spielberg é Spielberg e não resiste a alguns momentos melodramáticos no final, transformando Kay Graham e seu jornal como heróis grandiosos demais, figuras icônicas que não condizem com o realismo – ou estilo realista – que “The Post” parece desesperadamente querer adotar.
Um filme interessante, sobre uma história interessante, mas que pode ganhar interesse ainda maior se visto pelo filtro de uma alegoria metalinguística: Spielberg e George Lucas são comumente considerados os “traidores” da Nova Hollywood e responsáveis indiretos pelo seu fim ao produzir blockbusters que teriam levado os estúdios a não mais se arriscarem em obras autorais. Um diretor que surgiu em um contexto de rebeldia, mas acabou se tornando um dos grandes representantes do mesmo sistema que era desafiado. Assim como Kay Graham e seu The Washington Post, que veio a se tornar um dos jornais mais conhecidos do mundo. Talvez Spielberg se identifique com a mulher que conseguiu aliar risco com business. Não que ele tenha se arriscado tanto ultimamente.
Uma resposta para “The Post: A Guerra Secreta”
[…] em “The Post” Steven Spielberg reverenciava seus colegas dos anos 70, aqui ele mira não apenas em si mesmo, […]