Ancestralidade na corrente do vento


Nossa avaliação

Talessak é um furacão. Ponto. Se este artigo fosse resumido com apenas uma frase seria essa. A autora que publica HQs há pouco tempo, iniciando em 2016, mostra mais uma vez sua versatilidade e prova que quando sopra os ventos da mudança é sempre para algo bom. Assim, ela agora viaja para o passado do Japão com Ira dos Ventos, para contar por meio da ancestralidade, como um quadrinho consegue referenciar uma bagagem cultural tão ampla.

Ventos do passado

Em Ira dos Ventos acompanhamos um garoto chamado Zari. Durante uma cerimônia de reza ele acaba despertando o espírito de uma garota, Teruya, preso dentro de um ningyõ, bonecos utilizados em cerimônias orientais. Esta garota está acompanhada de outros ningyõs e, ao lado de Zari, passam por diversas situações misteriosas que vão além da compreensão até que descobrirem por que suas almas estão presas nesses bonecos.

As referências dessa história circulam a cultura de dois períodos japoneses, o Heian (794-1185 d.C.) e o Kamakura (1185-1333 d.C.) e como inspiração nas vestimentas e designs dos personagens estão os movimentos culturais da época como o teatro Noh e o Bunraku (teatro de fantoches).

Assim, com tanta bagagem e referência história, Ira dos Ventos vira uma viagem, e não apenas uma jornada fantástica que chega a nos lembrar de literaturas como A História Sem Fim, mas uma viagem pela história do Japão, transcendendo a sensação de apenas ler uma HQ, mas de também, acompanhar uma peça de teatro com uma firme trilha sonora.

Ancestralidade moderna

Sim, trilha sonora. Não é de hoje que Talessak brinca com o crossmídia e coloca música e vídeo dentro das páginas de sua HQ. Com do QR Code o leitor é transportado para além do papel e tem uma sensação sensorial mais completa. Mas em Ira dos Ventos eu sinto que a relação da trilha com a história é muito mais do que um “plus”, é quase simbiótica. A cada nova obra que Talessak usa os QR Code mais única se torna a relação da música, compostas por Karla Dallman, e dos vídeos com a história.

Acredito que muito disso se dá ao fato da arte. Em cada obra, Talessak utiliza um tipo de técnica diferente. Cinco Vermelhos foi o uso de tinta nanquim com o conceito da técnica sumi-ê. Sobre Trilhos foi feito com aquarela, Deimos e Phobos pastel seco com tinta acrílica sobre um papel preto. Já Ira dos Ventos, foi feito em arte digital optando por uma finalização cada vez mais delicada para a obra. Assim, os ventos do título, sejam eles envolto de ira ou de calmaria, são observados a cada quadro da história.

Não duvido que em breve Talessak faça uma história também em processo digital, mas que agora incorpore a realidade expandida para ressaltar os movimentos e a trilha sonora. No mais, continuamos no QR Codes, já considerados sua marca registrada.

Clãs, Onis e honra

Mas não são apenas a arte e a trilha que se destacam nesta HQ. A trama consegue entregar mistério e suspense no desdobramento da história de maneira muito fácil e delicada. A vilã da história, uma oni (o equivalente a demônio) chamada Eli quer dominar e conquistar diversos clãs.

Cada clã é referenciado na HQ por uma nova ningyõ que aparece durante a aventura de Zari com Taruya. E enquanto eles descortinam a trama, descobrem também como o passado de cada um deles está relacionado a Eli. Inclusive o próprio passado de Zari que atravessa gerações e, possivelmente, até vidas passadas.

O respeito à ancestralidade é algo muito importante na tradição Japonesa. Arrisco dizer que é tão importante quanto os diversos valores que a cultura ainda sustenta. Então, é certo afirmar que com Ira dos Ventos, Talessak, descendente de japoneses, conseguiu deixar seus ancestrais muito orgulhosos e honrados.

Que venham muitas outras.

Tico Pedrosa é publicitário, roteirista, escritor, professor e criador de conteúdo. Fã de quadrinho desde sempre. Você pode conferir as ideias dele no instagram e twitter.


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