Lendas e premonições


Contar histórias de lendas urbanas em formato de quadrinhos, livros e mídias audiovisuais é bem comum aqui no brasil. Não é para menos, a cultura brasileira é cheia de lendas obscuras que se misturam com nosso folclore muito bem construído em histórias fantásticas e sobrenaturais. Muitas dessas histórias não são conhecidas no brasil inteiro, sendo apenas identificadas em sua regionalidade. Alexey Dodsworth e Isaque Sagara trazem à luz da nacionalidade uma lenda urbana pernambucana na HQ A Máscara da Morte Branca.

Presente

A Máscara da Morte Branca foi publicada em 2019 pela Editora Draco, escrita por Alexey Dodsworth e desenhada por Isaque Sagara (já falei de Isaque recentemente no texto sobre sua outra HQ, Quando a Música Acabar). No quadrinho vemos a história por dois pontos temporais: O passado, quando conhecemos Branca Dias, portuguesa descendente do rabino-mor da Espanha, que foi perseguida durante a Inquisição por não ser cristã. Branca foge para Pernambuco, brasil, onde se torna a primeira professora para meninas. Porém, a corte portuguesa a persegue e a mata.

Enquanto isso, no futuro, ano de 2022, acompanhamos Henrique, Vanessa e sua filha Alice, que se mudaram para o Pernambuco chegando a visitar o antigo casarão de Branca. Henrique é foto-jornalista e após passagem por Pernambuco, foi cobrir as manifestações contra o atual governo, em Brasília. Henrique é morto pela ação policial desencadeando fatos que juntarão Alice e o espírito de Branca Dias.

Passado

O roteiro de Dodsworth vai buscar na lenda em tempos da pré-Inquisição brasileira (que se iniciou em 1593), para pegar na história de Branca Dias a base para A Máscara da Morte Branca. Branca morreu em 1589, mas os relatos se seus aparecimentos começaram a se espalhar durante a Inquisição.

A escolha de misturar temas históricos como a Inquisição, com o cenário político atual em uma trama sombria que tangencia o horror por diversas vezes, é muito acertada. O que ajuda também pela arte de Isaque Sagara, bem limpa e expressiva.

Acho muito curioso como a nossa sociedade é cíclica e como, com frequência, histórias que bebem do passado conseguem contar com temas tão atuai. Porém, essa atualidade não é apenas um paralelo, mas quase uma premonição. Isso porque, a HQ lançada em 2019 imagina como seria o ano de 2022, e o que Dodsworth e Sagara nunca iam advinha que eles iam fazer uma história tão próxima assim do que estamos vivendo.

Futuro

Nesse jogo de adivinhação os dois autores não poderiam ser tão certeiros. Claro, era muito fácil conseguir entender como seria a gestão do governo federal atual. Bastava só uma rápida pesquisa para saber sobre a conduta e os ideais de quem está na cadeira de presidente neste momento. Não percebeu isso em 2018: 1 – Quem não quis; 2 – Quem fez vista grossa; 3 – Ou até viu, mas não se importou porque é uma pessoa desumana mesmo e leva política como jogo de futebol, achando que “os lados” de ideais políticos (direita e esquerda) são times de futebol.

Porém, mesmo assim, A Máscara da Morte Branca consegue ser absurdamente certeira. Com a crescente das manifestações contra o governo atual, acontecendo todos os meses derretendo a popularidade do presidente, 2022 ainda vai ser recheado de muitos levantes populares. Até porque a inflação está em alta, preços do gás de cozinha, da gasolina, do dólar, dos alimentos estão da vez mais alto. Pessoas estão usando fogão à lenha e se debatendo em filas para conseguir comprar ossos de carne bovina. Estamos também entrando em uma crise hídrica que faz aumentar o valor da energia elétrica e o risco de um racionamento nacional.

A pandemia tem culpa? Claro que tem. Mas ela só foi uma ladeira no caminho de um carro que já vinha desgovernado. Porque é isso que temos hoje, um desgoverno.

Premonição

Com um roteiro bem redondo e pautado em uma pesquisa histórica bem consistente e uma arte que gosto pela fluidez, A Morte da Máscara Branca é uma leita fácil e rápida. E a melhor de todas as coisas: nos faz pensar.

Pensar em como nossa sociedade está atualmente, pensar também em como, desde o princípio desde país, existe perseguições por causa de cultura, religião, apagando cada vez a ancestralidade histórica das minorias e povos originários.

Pensar também em como estão as pessoas que deveriam se importar com a população, mas que na verdade, parece se importar apenas com o dinheiro. O próprio dinheiro. E provavelmente, dos seus quatro filhos bandidos.

Que Dodsworth e Sagara não só tenham acertado sobre as manifestações contra o atual governo, mas também, sobre sua queda dolorosa. E por que não, com a participação de um espírito ancestral para exterminas essa corja de vez.

Tico Pedrosa é publicitário, roteirista, escritor, professor e criador de conteúdo. Fã de quadrinho desde sempre. Você pode conferir as ideias dele no instagram e twitter.

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