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Em um mundo perfeito, você entraria no cinema sem saber nada sobre “Não Me Abandone Jamais”. Mas como o próprio filme faz questão de mostrar, mundo perfeito é algo que não existe, e tanto esta resenha como o próprio trailer aí embaixo entregam muito mais do que você deveria saber. Então, se confia na gente, pare de ler agora e vá ver o filme. Depois volta aqui para terminar sua leitura.
Mas pode ser que você não tenha o mínimo interesse neste filme e precisa de algum incentivo para assisti-lo. Neste caso, a resenha pode ser útil, apesar de contar um pouco da história que merece ser descoberta toda na tela.
O grande salto da ciência se deu em 1952. Em 1967, a expectativa de vida já ultrapassava os 100 anos. Os letreiros iniciais de “Não Me Abandone Jamais” dão a dica: estamos vendo uma espécie de realidade paralela. O filme é uma ficção científica.
Mas não espere uma ambientação futurista. Tudo começa na Inglaterra no final dos anos 70, quando somos apresentados às crianças Ruth, Kathy e Tommy. Vivendo em um internato conservador com outros jovens, os três estabelecem um triângulo amoroso desde cedo. Eles praticam esportes, aprendem a como se portar em um café, fazem aula de arte e conhecem uma nova professora – em uma estrutura narrativa que parece seguir os passos de dramas como “Sociedade dos Poetas Mortos”, que discutem a descoberta da alegria de viver.
Mas então a tal professora faz a grande revelação do filme – e eu acho sinceramente que você deva parar de ler por aqui: aquelas crianças estão todas ali reunidas por um único motivo. Doar seus órgãos quando atingirem a vida adulta.
De repente, toda sua relação com o filme muda e se torna claro que “Não Me Abandone Jamais” não é sobre a alegria de viver, mas sobre a aceitação de morrer. E todos nós iremos um dia morrer, assim como os personagens do filme. Mas a situação colocada pela história narrada no livro de Kazuo Ishiguro nos coloca face a face com a inescapável finitude da vida.
Trata-se de um filme sobre a nossa natureza incompleta. E sobre aquilo que nos faz humanos. Precisamos dos outros para nos sentirmos inteiros, seja dos amigos, dos amores ou, mais objetivamente, dos órgãos doados. E esse sentimento do incompleto é registrado pela câmera do diretor Mark Romanek, atenta a cada detalhe que represente o interromper da vida: dos bonecos faltando pedaços até o jogo não finalizado na casa da diretora. Mas não há representação visual melhor de uma vida que acaba antes de chegar naturalmente ao fim do que a imagem do barco encalhado na areia, impedido de chegar ao seu destino.
Romanek filma tudo com calma, valorizando ao máximo o tempo escasso que seus personagens possuem. Intercalando super closes nos rostos de seus atores com planos completamente abertos, ele parece querer que nos sintamos próximos daquelas pessoas e nos importemos com elas, ao mesmo tempo em que tenhamos consciência de sua solidão. Afinal, vivemos em comunidade, mas morremos sozinhos.
Interpretando os protagonistas adultos, Carey Mulligan, Keira Knightley e Andrew Garfield estão muito bem. Mas o destaque é Mulligan, que entrega toda a mensagem de incompletude do filme com apenas seus tristes olhares. “Não Me Abandone Jamais” peca por abusar do off, mas é uma experiência devastadora, triste, delicada, filosófica. E belíssima.
4 respostas para “Não Me Abandone Jamais”
Achei o filme lindasso e o off não chegou a me incomodar. Lembrei de Blade Runner, especialmente da cena final do Rutger Hauer no topo do edifício, na chuva, se despedindo da vida que foi programada pra ele.
Guerrinha, também lembrei muito da cena do Rutger Hauer! É tipo um Blade Runner visto pelos olhos dos replicantes…