Em 1982 foi lançada uma revista em quadrinhos que parecia saída direto dos anos 30. Criada por Dave Stevens, “The Rocketeer” contava a história do personagem título, um piloto de avião chamado Cliff Secord que descobre uma mochila acoplada a um jato e se torna um super-herói na Los Angeles de 1938. Inspirada nas matinês de cinemas dos anos 40 (em especial no personagem Rocket Man e em “Commando Cody”, ambos seriados do anos 50), era só uma questão de tempo até a criação de Stevens atingir a tela grande.
A adaptação foi entregue a Joe Johnston, que estava com moral na Disney depois do sucesso de “Querida Encolhi as Crianças”. Johnston buscou levar o clima das matinês misturado ao tom dos quadrinhos para o seu filme, mas algumas modificações tiveram que ser feitas em relação ao material original. O filme começou a ser desenvolvido em 1986, antes do “Batman” de Tim Burton (de 1989) mostrar que o público ainda poderia se interessar por heróis dos quadrinhos no cinema.
A Disney queria situar o filme na época atual, e o diretor e produtores tiveram que brigar (usando o exemplo de sucesso de “Indiana Jones”) para que a ambientação se desse durante a Segunda Guerra Mundial, na virada dos anos 30 para os 40. Mas a ideia inicial de fazer o filme em preto e branco como uma homenagem ao “Commando Cody” não foi para a frente. Uma das principais mudanças com relação aos quadrinhos foi feita com a namorada de Cliff, Betty, que teve seu nome mudado para Jenny a fim de evitar comparações com a modelo pin-up Betty Page, inspiração original de Stevens na criação da personagem. A profissão da garota também foi mudada, de modelo que posava nua, ela virou uma aspirante a atriz no cinema (ei, estamos falando de um filme da Disney!).
Com o rosto (e corpo) de Jennifer Connely, Jenny não se tornou a explosão sexual que era a Betty dos quadrinhos, mas ganhou uma bem-vinda mistura de inocência e sensualidade que funciona para o filme. A escalação de elenco de “Rocketeer” é, como um todo, bastante inspirada. Houve uma preocupação para encontrar atores que parecessem saídos daquela época e Billy Campbell foi um grande achado como Cliff. Os coadjuvantes estão todos ótimos, como Alan Arkin (Peevy, o engenheiro que ajuda Cliff com sua mochila a jato) e Paul Sorvino (o mafioso Eddie Valentine). Mas o destaque fica para Timothy Dalton. Copiando a fórmula consagrada em “Superman” de colocar um desconhecido no papel principal e um astro como o vilão, “Rocketeer” traz ninguém menos do que o 007 da época como Neville Sinclair, ator canastra e espião nazista inspirado em Errol Flynn (e na biografia escrita por Charles Higham que afirma que Flynn era realmente um espião a serviço de Hitler…).
O elenco, somado a um roteiro divertido, a uma ótima ambientação da época e à direção inspirada de Johnston criam uma divertida matinê de domingo. Os créditos iniciais, ao som da trilha de James Horner, já indicam uma volta no tempo, e com a abertura do portão de um hangar de aeroporto somos transportados para a Los Angeles de 1938. A história não se passa na cidade do cinema por acaso. Abusando da luz e sombra do noir, “Rocketeer” brinca com vários clichês dos filmes dos anos 30 e 40, começando com a perseguição de carros que parece saída de um filme de gangsteres, passando pelos filmes de capa e espada até chegar às aventuras de ficção científica.
O filme equilibra muito bem realismo com fantasia, misturando situações fantásticas com personagens reais, como Howard Hughes, vivido por um Terry O’Quinn com cabelo, muito antes de John Locke ir para na ilha de “Lost”. Hughes aqui não é o milionário louco de Leonardo DiCaprio, mas um gênio ao estilo Tony Stark.
Os personagens não são bem desenvolvidos e nem é preciso. Johnston está interessado em arquétipos, e os apresenta da forma mais direta possível, ligados às suas características básicas. Cliff aparece pela primeira vez ao lado de um avião (é o aventureiro, o destemido), Jenny surge vestindo uma meia-calça (a beleza que desperta desejo) e Neville aparece de costas (o duas-caras misterioso). E pronto, sem tempo a perder, já temos bem definidos o herói, a mocinha e o vilão.
A produção faz um uso eficaz das cores, apostando nos tons pastéis (as cores da terra) nos cenários do aeroporto para conseguir uma dualidade interessante quando Rocketeer finalmente alcança vôo, ganhando o azul do céu (o marrom-terra do personagem cortando o azul reforça o extraordinário de um homem poder voar). Além do pastel e do azul, cada cenário ganha suas próprias cores básicas (a casa branca de Neville, o verde da sala secreta), emulando a coloração das páginas de quadrinhos.
Devendo muito aos filmes de “007” e “Indiana Jones”, “Rocketeer” desenvolve de maneira empolgante a sua mistura de humor, ação e fantasia. Apesar de um terceiro ato mais corrido do que o necessário, o clímax no zepelim parece saído direto de um seriado dos anos 30, incluindo aí os efeitos especiais não mais tão convincentes. Apesar da bilheteria decepcionante (custou 40 milhões de dólares e só rendeu 46) que impediu a produção de uma continuação, o filme ainda funciona, os personagens permanecem cativantes e é uma ótima pedida para uma tarde no final de semana. De preferência com muita pipoca, bala e refrigerante.