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“Eu não vou falar. Eu não vou dizer uma palavra!” avisa George Valentin logo no início de “O Artista”. Uma espécie de mistura de Rodolfo Valentin (olha só o sobrenome) com Douglas Fairbanks e Errol Flynn, o personagem principal é um famoso ator do cinema mudo em um momento de transição: o filme começa em 1927, mesmo ano da chegada do som ao cinema com “O Cantor de Jazz”.
Assim como já foi mostrado em “Cantando na Chuva”, “O Artista” vai contar a história de como uma transformação tecnológica acabou com a carreira de vários astros da época. A diferença é que o filme vai fazer isso sem som, e sem cor. Trata-se de uma produção preto e branco e muda, em pleno século XXI. O momento atual do cinema hollywoodiano é interessante para se pensar nesta transição: em uma época em que muita gente boa (incluindo aí James Cameron) considera a chegada do 3D como uma revolução comparável à chegada do som, “O Artista” celebra uma forma cinematográfica antiga, contando uma história e encantando sem o uso das últimas novidades tecnológicas.
Na história do filme (e que como em “As Aventuras de Tintim”, tem como o personagem mais inteligente em cena um cachorro, o fantástico Uggie), Valentin (Dujardin) se recusa a participar do cinema sonoro, ao mesmo tempo em que Peppy Miller (Bejo), sua antiga fã e grande amor, acaba se tornando a grande estrela do cinema falado. E é só isso.
Em tempos de diálogos expositivos e efeitos especiais, é maravilhoso ver uma história que aposta toda a sua narrativa apenas no visual, provocando não só um retorno ao início do cinema, mas à própria concepção original das imagens em movimento. “O Artista” traz de volta a magia das “fotos paradas” que por ilusão de ótica parecem se movimentar frente aos nossos olhos. Com uma história simples, ingênua, bem ao modo das comédias românticas do cinema mudo, o filme nos conecta com um tempo há muito esquecido, e nos faz vibrar, rir e chorar exclusivamente pelo poder da arte.
Trata-se, no final das contas, de um exercício de estilo. E que exercício. E que estilo. Michel Hazanavicius dirige como se estivesse nos anos 20, abusando dos clichês do cinema mudo e de metáforas visuais nada sutis (George afundando, o “estrela solitária” escrito na marquise do cinema), mas elas funcionam perfeitamente para a história que ele quer contar (e alguns momentos sutis são perfeitos, como a cabeceira da cama que emula um sol ressaltando a alegria de George em determinado momento do filme e seu caráter de astro).
Não espere nada revolucionário e muito menos uma história surpreendente. O fascínio de “O Artista” não está em sua originalidade, muito pelo contrário. O filme emociona porque é bonito. Uma beleza feita de luz e sombra que nos lembra o motivo de uma técnica de captação, edição e projeção de imagens ser considerada arte. A sétima arte.
Alguns momentos, como o abraço solitário de Peppy Miller em si mesma ou o uso do som no camarim de Valentin são desde já antológicos, em uma brincadeira muito bem produzida por um cinéfilo para outros cinéfilos. Usando o antigo formato 1:37:1 (meio quadrado), Hazanavicius cria enquadramentos que precisam contar o máximo em pouco tempo (e espaço), uma vez que não são os diálogos que vão fazer a história andar. O mais extraordinário é que ele consegue nos envolver com esta narrativa típica dos anos 20.
São compreensíveis os prêmios que o longa vem arrecadando e também seu favoritismo ao Oscar. “O Artista” é uma homenagem a Hollywood, ao fazer cinematográfico, à história do cinema e aos atores e artistas. Mas mesmo com a direção de arte deslumbrante, o ótimo elenco coadjuvante que brinca com o estilo de atuação do cinema mudo e uma trilha sonora (de Ludovic Bource) que dá o tom das cenas e segura a atenção (com direito a citações a Bernard Hermann), o filme é mesmo todo de Jean Dujardin.
Seu rosto expressivo e seus movimentos corporais perfeitos funcionam de forma exata para compor um personagem que em si mesmo é a representação de todo o cinema mudo. George não fala. Não conversa com a esposa, não está aberto ao diálogo com seu produtor, não consegue se declarar para Peppy. O personagem é “mudo”, assim como os tipos que ele interpreta no cinema.
Se você relevar a estranheza inicial e se deixar levar por esta nova (porém antiga) experiência, “O Artista” tem o poder de te deixar com um sorriso no rosto e de bem com a vida. Só isso já vale as cinco estrelas aí em cima, o possível Oscar, os prêmios que já ganhou e que ainda vier a conquistar.
É o belo que impacta e emociona. Resumindo: arte.
4 respostas para “O Artista”
Meu filme preferido desta temporada. Impressionante, lindo, inteligente, surpreendente. As cenas finais são um misto de simplicidade e genialidade.
[…] é cinema. Arte escrita com […]
[…] aí mais um “A Era do Gelo”, e a Fox aproveita o hype de “O Artista” para promover sua […]
[…] de Jean Dujardin brincando no Funny or Die, seu principal concorrente ao Oscar de Melhor Ator, George Clooney, […]