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Diários de viagem

Forumdoc.BH 2006-11-23, Sala Humberto Mauro e Fafich, Belo Horizonte – 17 a 30/11/2006

por Rodrigo Campanella

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Pg. 9

Uma última palavra. Diz-se que o New York Times, por conta do lançamento de “Jeanne Dielmanâ€, de Chantal Akerman, anunciou pomposamente que o feminino tinha encontrado sua primeira obra de arte no cinema. Resta perguntar se eles não assistiram antes a “Je Tu Ill Elleâ€, provavelmente um dos filmes mais incômodos que você vai assistir no ano em que assistir a esse filme. Uma câmera parada, repetitiva, distante se depara com uma mulher cheia de vontade que, sem saber o que é ou para onde expelir aquilo, vai engolindo a própria vida.

Não é divertido, mas uma sensacional pancada no peito. Um filme em fogo brando e contínuo, que queima quem assiste quase sem se perceber.


Maranhão 66, curta de Glauber Rocha
(Sim, esse aí é o Sarney, 40 anos atrás)

Procure Chantal Akerman por aí nesses caminhos online da vida e tire suas próprias conclusões.

Pg. 8

Na quinta-feira, último dia do Fórum.doc, São Pedro decidiu presentear BH (e outras capitais brasileiras, informam os noticiários) com uma versão particular daqueles desfiles que a Disney apresenta para os turistas de hora em hora. Funcionava assim: de vinte em vinte minutos, uma pancada de chuva, possivelmente na busca do pingo perfeito. Como primeiro resultado lógico, o trânsito do centro da cidade parou.

Com isso, dá-lhe ônibus para andar cinco quarteirões e depois perceber que se vai chegar mais rápido à pé e motoristas afogando os carros nas poças em cima de pedestres para avançar rapidamente...três metros. Alguém deveria dedicar atenção, e alguns estudos qualitativos, à relação direta entre a queda do coeficiente de inteligência e o posicionamento do pé em um acelerador.

O anúncio dos premiados só comprovou aquele estilo caseiro que está na página 1 desses escritos. Os vitoriosos foram anunciados no começo da escada que leva ao palco, ali perto da primeira poltrona, em uma divertida sem-cerimônia. Na competitiva internacional, levou o português “À Flor da Pele (On Edge)â€, de Catarina Mourão. A nacional ficou com “Xinã Bena, Novos Tempos†do realizador indígena Zezinho Yube Hunikui, impressionante por colocar o espectador ‘da cidade’ incomodado ao perceber como nossa visão do mundo indígena ainda é estereotipada e mumificada. Outro mérito, deixar visível que ao tentar transformar o mundo indígena em museu vivo praticamente implodimos uma cultura e seu orgulho.

Rapidamente os anúncios terminaram e a tela se aprumou para a próxima (e última) sessão. Tudo assim, em casa. Diga-se de passagem, mais cheia que o habitual, tanto do lugar (a Humberto Mauro), quanto dos anos passados.

Pg. 7

Decomponha rápido um documentário que te deixa animado, rindo, ácido e com a leve sensação na consciência de que algo está estranho.

Sal: Lars Von Trier é a cabeça por trás de “As Cinco Obstruções†mas não é propriamente o diretor do filme. O jogo é exatamente esse. O que ele faz é convidar o diretor do excelente curta “The Perfect Humanâ€, Jorgen Leth, para refazer seu filme, cinco vezes, só que a cada uma delas obedecendo proibições e imposições estabelecidas por Von Trier.

Limão: Trier é fã declarado de Leth, “uma das poucas coisas em que eu sou expert no mundoâ€, ele diz. Mas, ou talvez por isso mesmo, pega bem pesado. A intenção é fazer de cada uma das regravações uma experiência de terapia que ‘liberte’ o diretor do curta de sua relação distanciada com o mundo. E os dois lados tomam seus tombos, intencionais ou não.

Copo: “The Perfect Human†é ótimo, e assistí-lo antes de “As Cinco Obstruções†é a melhor entrada possível. “Este é o humano perfeito. Olhe enquanto ele dança. Olhe enquanto ele dança. Por que ele dança? Este é o humano perfeitoâ€. O próprio diretor narra, no fundo, enquanto exibe seu humano perfeito como se nos mostrasse um zoológico de nós mesmos. Mas não basta ver o humano perfeito. Por que ele dança? O humano perfeito come e tem um pequeno ponto branco no coração.

Tequila: Sentado à mesa do filme original, Claus Nissen, o humano perfeito, se prepara para comer. Leth pediu ao ator para que ele apenas se sentasse e comesse. E daí começa um daqueles momentos fantásticos e inexplicáveis em que um mal-estar vai se espalhando pela platéia enquanto Nissen, improvisando, ensaia uma ânsia de vômito diante da comida e começa a cantarolar, rigoroso, polido, pretoebranco, numa mesa rigorosa, polida, pretaebranca, já comendo sobre porquê a vida é tão triste, a alegria tão fugaz e porque uma mulher o abandonou. Provavelmente parece bobo, escrito aqui nessa tela. Sentado lá, foi inesquecível.


São Bernardo, de Leon Hirszman, montado por Eduardo Escorel

Dia 29/11 tem: Projeção Fotográfica Comentada - Fotografia e Antropologia a partir da obra de Arthur Omar, apresentada por Arthur Omar. Palácio das Artes, 19h.

Pg. 6

Provavelmente alguém ainda vai virar um dia para você e comentar que “Cabra Marcado para Morrer†é uma obra-prima. E não estranhe se você não entender o porquê na primeira vez.

O documentário de Eduardo Coutinho faz 24 anos, continua bonito na tela como nunca (especialmente quando se pode assistir em película, verdadeira raridade), mas é exigente. Pede paciência, atenção e coração aberto. Dá em troco uma aula de História: do Brasil, do cinema brasileiro, do documentário...

O Brasil parece desacreditado de toda a questão da História. Entre o peso e o sabor que ela tem, só o segundo é levado em conta. Jogamos a memória e as histórias do outros pra debaixo da geladeira, porque ali é certeza de que ninguém vai mexer tão cedo.

Coutinho, ao contrário, vai atrás do próprio filme de ficção que nunca terminou de gravar e que levava o mesmo nome. Naquela época, foi travado e perseguido pela ditadura. Agora, vira personagem do próprio filme. É ele que tem por missão resgatar a história não contada até o fim, retomando agora o fio dos que participaram daquelas filmagens. E, no meio, toma para si a tarefa de reunir, ali no documentário, a família partida da protagonista daquela história tão longe.

É uma aula de humanidade sem academicismos extremos, sem maracutaias narrativas, sem grandes jogadas intelectuais (isso é lá pro Lars Von Trier, que faz muito bem, que bom, esse jogo). O caso aqui é mais simples e que só funciona quando bate no peito. E nos peitos calejados de quem vê muito cinema hoje em dia, corre o risco de não bater tão forte. Nós que perdemos.


As Cinco Obstruções, de Lars Von Trier e Jorgen Leth

E pensar que “Cabra Marcadoâ€, lá bem no comecinho, foi montado numa das ilhas de edição da Rede Globo....

Pg. 5

Se você passar pela porta do cinema ou pela folheada de algum catálogo e tiver o nome de Heloisa Passos, não se esqueça de dar pelo menos uma olhada com mais calma. É um conselho.

Dia 25/11 tem:

1) Vocação do Poder, de Eduardo Escorel e José Joffly. Humberto Mauro, 19h, sessão comentada por Escorel.

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