Tropa de Elite 2


Nossa avaliação
Elite Squad: The Enemy Within (2010)
Elite Squad: The Enemy Within poster Direção: José Padilha
Elenco: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Milhem Cortaz


“Tropa de elite 2” é um dos filmes mais meta já realizados. No sentido de que não simplesmente existe para comentar o fenômeno em que o anterior se tornou, mas para tentar entender – e se possível, corrigir – o momento em que grande parte do público (e da crítica) achou que o longa fazia apologia ao discurso que buscava criticar.

Em termos de narrativa cinematográfica, o maior problema do original era a locução em off do protagonista. Disse isso na minha resenha três anos atrás e mantenho a afirmação. Mas na época, não tive perspectiva o bastante para perceber que:

1) José Padilha é um diretor que começou no documentário. E usar um “depoimento” quase dirigido à câmera foi a melhor forma encontrada por ele para alinhavar sua narrativa. Ou, ao menos, a mais familiar.
2) O comprometimento do ator Wagner Moura com o personagem e a paixão que ele dava àquele discurso foram exatamente o que cativou grande número dos espectadores, que passaram a achar o reacionarismo belicista do Capitão Nascimento realmente legal.

Então… seria ela o erro? A minha resposta durante a hora inicial de “Tropa de elite 2” era SIM. Padilha continua um grande pintor expressionista, com visão e segurança do Guernica que quer criar. O único deslize narrativo da produção é a longa sequência que explica a formação das milícias. Apesar de necessária, ela acaba uma grande “aula” no meio do filme, em que o sumiço do agora Subsecretário de Defesa Nascimento e do Capitão Matias incomoda. Parece um grande parênteses que, se não compromete, podia ser menor.

Por sua vez, Bráulio Mantovani estrutura a trama em torno de relações entre pais e filhos, com Nascimento e Matias funcionando quase como Vito e Michael Corleone – o que me fez pensar no meio do filme “cada país tem ‘O Poderoso Chefão’ que merece”. E a fotografia de Lula Carvalho enquadra sempre os personagens sob molduras, reforçando a ideia de que eles estão dentro de um sistema bem mais complexo do que uma leitura “mocinhos versus bandidos” pode sugerir.

Mas a narração do protagonista continuava lá. Machucando os ouvidos, tanto no formato quanto no conteúdo. Foi só no ato final que percebi que trazê-la de volta, ainda mais reaça, era a única forma do filme realizar sua mea culpa. Quando Nascimento é obrigado a admitir todos os erros que cometeu, a locução, que havia funcionado como o refúgio confortável do espectador, torna-se a prisão de espelhos da qual ele não pode escapar.

O filme de Padilha se torna a incômoda prisão-espelho de nossa sociedade. Em que jornais, cujos principais anunciantes são governos, calam-se conformados e acovardados. Genocídio é aclamado e incentivado em programas de televisão. E a classe média, revoltada com o pobre que agora resolveu se recusar a limpar seu vaso sanitário por 20 reais, elege políticos que prometem matar aqueles mais indesejáveis e botar os outros, necessários, no seu lugar – de fome e subserviência.

No meio de uma campanha eleitoral vergonhosa, “Tropa de elite 2” é o retrato de uma sociedade ainda reacionária, que tem preguiça de cuidar de seu país e se ilude na época de votar, procurando políticos-heróis inexistentes para não precisar se preocupar pelos próximos quatro anos. Nascimento, Padilha e “Tropa de elite” fizeram sua mea culpa. Talvez tenha passado da hora de fazermos a nossa.


7 respostas para “Tropa de Elite 2”

  1. *o comentário a seguir contem leves spoilers* Quando Nascimento diz (na tal narração em off) que o Fraga não tinha coragem de chamá-lo de fascista na sua presença, parece um recado do Padilha a toda galera que acusou seu filme anterior de fascista, nesse sentido acho que a narração cumpre um papel bem legal, além de mostrar o lado humano de Beto (aliás achei bem bonita a cena de jiu jitsu entre ele e o filho)
    Ah, ficou bem arrojado o novo layout do pílula, mas o clássico sempre estará nos nossos corações

  2. Sim, Carol, tem várias cenas/diálogos que parecem dirigidos diretamente à discussão surgida após o lançamento do primeiro filme e a repetição do termo “fascismo” é o exemplo mais claro disso. O que gostei no filme é que eles conseguiram inserir isso na narrativa, sem parecer forçado ou gratuito.

    E obrigado pelo elogio! O clássico também continua nos nossos corações, sempre. É como filho, a gente não abandona nunca. E ele continua existindo ali em cima, a um clique só de distância. =)

  3. Leves spoilers a seguir:

    Genial a analogia da polícia invadindo o morro em busca de armas que não existiam e a situação do Iraque. O Padilha pegou o Spielberg de jeito com essa 😉

  4. Boa resenha.
    Só uma correção: acho que nos trechos em que está escrito “Ramiro” o mais adequado seria “Matias”, já que está sendo mencionado o personagem, e não o ator.

  5. […] Aliás, a forma esquemática com que todos são construídos atrapalha a identificação, já que o tempo todo nos sentimos vendo não pessoas, mas seres interpretados por atores. Durante os créditos finais, “Alemão” apresenta imagens recentes das manifestações, forçando um cunho social que sua narrativa nunca alcança de verdade, apesar de ter o mérito de discutir o papel da polícia em comunidades. Com jeitão de minissérie da Globo, tem bons momentos e não faria feio em um “Supercine” da vida. Mas é pouco para quem já se acostumou com filmes policiais bem melhores. […]

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