[xrr rating=4/5]
Eu não estaria sendo honesto se não admitisse que falta um pouco de conflito para preencher as quase duas horas de “A Invenção de Hugo Cabret”. Durante a primeira metade do filme, especialmente, paira uma sensação de que poderia haver algo mais em jogo ali. E mesmo na (emocionante) segunda, o espectador nunca sente que os personagens estão realmente em perigo.
Mas eu também estaria mentindo se não dissesse que é quase orgásmico ver Martin Scorsese ter acesso a um orçamento de mais de US$ 100 milhões para fazer uma declaração de amor ao cinema disfarçada de Harry Potter-wannabe. Mais que isso: sentir o entusiasmo quase infantil do cineasta por trás das câmeras, se divertindo como um garoto com uma ferramenta nova para seu brinquedo favorito. Redescobrindo sua paixão pela imagem em movimento a cada novo plano, explorando uma estação de trem em Paris como se nunca tivesse filmado lugar nenhum antes.
E essa devoção pela imagem em movimento é o tema e a essência de “A Invenção de Hugo Cabret”. Não por acaso, o prólogo é praticamente um curta-metragem mudo, com direito a trapalhadas busterkeatonianas protagonizadas por Sacha Baron Cohen e closes e supercloses emoldurados pelo belo cenário. Daí em diante, o filme vai adicionando o que fez do cinema o que ele é hoje: a chegada da narrativa (trazida pela paixão da personagem de Chlöe Grace Moretz pela literatura), os diálogos, a descoberta de um grande diretor capaz de usar tudo isso – e, por fim, um crítico-cinéfilo-apaixonado capaz de dar sentido à história.
No centro dela, o menino-título e sua busca pela “anima” – a alma que dará vida a um boneco, única herança deixada pelo pai. “A Invenção de Hugo Cabret” é um filme em busca de uma alma sobre um menino em busca de uma alma. E Scorsese encontra a anima de sua obra em um dos primeiros homens que soprou vida às imagens em movimento: George Méliès.
A grande pena é que o elenco infantil responsável pelo filme até esse ato final não empolga. Asa Butterfield não está à altura do sofrimento do protagonista, um órfão que vive escondido em uma estação de trem na Paris dos anos 20 após a morte do pai. E Chlöe Grace Moretz tem seu charme, mas não consegue carregar as cenas dos dois sozinha.
A tarefa fica para o elenco adulto. E Ben Kingsley, Helen McCrory e Michael Stuhlbarg vão te levar ás lágrimas, se você nutre pelo cinema pelo menos 1/10 do amor de Scorsese. “A Invenção de Hugo Cabret” é um testamento à capacidade de inspirar e transformar da sétima arte – e, especialmente, um apelo pela preservação de sua memória. Que Scorsese consiga fazer isso em uma produção deslumbrante, com a fotografia em 3D impecável de Robert Richardson e o design de produção digno de Oscar de Dante Ferretti, é de encher de alegria e esperança o coração de qualquer cinéfilo.
Da mise-en-scène vaudevillesca dos personagens secundários aos vários cartazes e referências, “A Invenção de Hugo Cabret” definitivamente não é um filme para crianças. É um filme para provar como o cinema pode fazer de todos nós uma criança: capaz de sonhar, imaginar e acreditar de novo.
P.S.: Cuidado pra não piscar e perder a cameo hitchcockiana de Scorsese em uma das sequências mais bonitas do filme.
7 respostas para “A Invenção de Hugo Cabret”
estou ansiosa pra ver esse filme há 2 anos já! Quando estreia no Brasil?
Só em 17 de fevereiro do ano que vem, segundo o FilmeB.
parece incrível visualmente mesmo, e só de ter um paralelo com Ratatouille já me anima mais ainda ^^
Perfeito o texto, Daniel. E lindo o filme.
Achei simplesmente incrível! Adorei tudo! Eu daria as 5 estrelas.
[…] criação católica, que o levou a cultivar sérias aspirações ao seminário na juventude, Martin Scorsese é fascinado por personagens com pouco ou nenhum senso moral. Max Cady, James Conway e Frank […]
[…] (Butterfield) é o garoto-prodígio que tem a confiança do coronel Graff (Ford) e parte para um massacrante […]