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“Jogos Vorazes” é o primeiro filme baseado na trilogia de livros juvenis escrita por Suzanne Collins, e tem sido alardeado como a “nova franquia” que irá substituir “Harry Potter” e a saga “Crepúsculo”. O que quer dizer, provavelmente, que o último filme vai ser dividido em duas partes. E também é algo que tira um pouco da tensão da história, que gira em torno das baixas chances de sobrevivência da protagonista: sabemos que ela vai sobreviver, afinal, ela terá de retornar na sequência, não é verdade?
Pois bem. A heroína é Katniss Everdeen, uma garota de dezesseis anos do Distrito 12 de Panem – um país futuro ficcional, dividido em vários distritos especializados na produção de alguma commodity, no caso do pobre distrito de Katniss, o carvão. Décadas atrás houve uma rebelião, que acabou sendo debelada pelo governo de Panem. Desde então, a capital pune os distritos rebeldes com os Jogos Vorazes do título: a cada ano um casal de adolescentes é sorteado para competir em uma arena, de onde só um deles sairá vivo. Evidentemente, acaba sobrando para Katniss entrar na disputa sangrenta.
O conceito não é exatamente original (algo muito similar serviu como base do ótimo longa japonês “Battle Royale”), mas funciona no sentido de criar uma tensão crescente, que só é prejudicada pela inevitabilidade do desfecho. O resultado é um mundo mais sombrio que o de “Harry Potter” e uma narrativa mais sofisticada que a de “Crepúsculo”; mas tudo depende do gênero a partir do qual você interpreta o filme.
Como uma produção voltada ao público juvenil, “Jogos Vorazes” se sai muito bem. Embora óbvia em diversos pontos, a narrativa é suficientemente interessante e se salva graças à presença de diversos personagens carismáticos. Mas nem tudo é perfeito: alguns dos vilões são, como de costume, unidimensionais (tudo bem, eles são adolescentes!), e a protagonista é excessivamente passiva, passando toda a projeção apenas reagindo ao que acontece ao seu redor.
Já como uma obra de ficção científica, o filme tem alguns problemas mais graves, que consistem principalmente em uma indecisão a respeito de se deve servir como um universo ficcional coerente, ou como uma alegoria de questões mais diretamente relacionadas à sociedade contemporânea. Há uma sátira evidente aos reality shows de hoje, mas a motivação dos personagens não é a busca pela fama, e sim a sobrevivência. Há uma crítica óbvia ao uso da mídia para manter o “povo” submisso e conformado, mas nem isso funciona bem, pois o programa parece causar revolta, ao invés do efeito oposto? A lógica gladiatorial de Panem parece antes saída do antigo Império Romano do que da nossa sociedade. Afinal, o que o filme quer dizer?
Por outro lado, a construção do universo de Panem também tem seus problemas, mas o maior deles é a falta de profundidade. Histórias de ficção científica conseguem, em geral, criar universos que seguem regras diferentes do nosso, e onde a natureza humana pode ser testada ao extremo. Os jogos sangrentos poderiam aqui servir como uma ótima desculpa para um exame mais cuidadoso de certas questões éticas, mas o roteiro protege a protagonista cuidadosamente de quaisquer escolhas difíceis, até o último momento.
Qualidade que redime “Jogos Vorazes”, no entanto, é o “romance” não convencional que se desenvolve entre os dois heróis do Distrito 12. Katniss e seu parceiro Peeta não se gostam muito (o rapaz até tem uma “quedinha” por ela, mas tem ciúmes de suas habilidades e popularidade), mas se vêem “obrigados” a encenar uma historinha de amor para conquistar a audiência – algo que pode inclusive ser lido como um metacomentário, mas infelizmente o roteiro não deixa claro se essa era a intenção dos criadores, chegando até a deixar ambígua a veracidade do sentimento.
Resumindo, “Jogos Vorazes” cumpre os requisitos mínimos de um bom filme, mas não resiste muito bem a um exame mais cuidadoso. Serve como boa diversão, mas com certeza não sobreviveria em um combate até a morte contra “Battle Royale”…
2 respostas para “Jogos Vorazes”
[…] empolgante entenda-se mais interessante do que “Crepúsculo” e menos espetacular do que “Jogos Vorazes”. “Divergente” é nível “O Jogo do Exterminador”, e ter estes três filmes citados agora […]
[…] irônico que o que Francis Lawrence deve ter ouvido do estúdio ao substituir Gary Ross, diretor do primeiro filme, não parece ter sido muito […]