Indigestão: Batman – O Cavaleiro das Trevas


Nossa avaliação

Falar de “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (2008) é a grande prova de que uma indigestão não ocorre apenas na primeira vez que você come, mas também se você comer em excesso. A segunda parte da trilogia do Batman dirigida por Christopher Nolan é considerada um dos maiores filmes de super-herói da história e a melhor adaptação do Homem Morcego até aqui. Mas se engana quem olha o filme com olhos de perfeição: a obra é cheia de defeitos, muitos deles vergonhosos, outros mais sutis, mais perceptíveis quando o filme é visto mais de uma vez.

Uma das coisas que deve ficar clara é que o Batman de Nolan é uma releitura diferente do Batman dos quadrinhos. Ninguém vai encontrar o mesmo personagem das páginas das HQs nos filmes. Não que isso seja um problema grave, mas muitas vezes, ao tentar relacionar os dois personagens, os roteiristas (Chris, Jonathan Nolan e David S. Goyer) acabam se esbarrando com as recorrentes faltas de explicação e soluções rápidas. Uma delas é a facilidade tremenda que Bruce Wayne (Christian Bale) tem ao descobrir a digital em um estilhaço de bala que estava numa parede. Batman é conhecido por ser um exímio detetive nas HQs, mas em “Batman: O Cavaleiro das Trevas” seus dotes detetivescos foram frutos de um buraco mal resolvido no roteiro.

O Bat-pod (a moto do herói), solução encontrada para o Homem Morcego não ficar andando por ai com um tanque, é responsável por cenas risíveis, como um drift em que a roda dianteira gira horizontalmente, completamente fora do eixo da moto, e uma empinada na parede para não bater, lembrando aqueles carrinhos de brinquedo vendidos em camelôs que dão cambalhota sempre que atingem em algo. E nem vou comentar a total falta de noção do Nolan nas cenas de ação, já detalhadas neste vídeo do crítico Jim Emerson:

E quer vergonha maior do que a voz rouca e forçada de Bale quando ele coloca a máscara do Batman? Juro que nunca consegui entender. Essa mesma voz foi utilizada em “Batman Begins” (2005), só que de maneira mais sutil, já que o Batman quase nunca falava (e só foi aparecer na história depois de uma hora de filme). Em “Batman: O Cavaleiro das Trevas” o herói fala muitas vezes, deixando sempre a impressão de que ele tem pedaços de flocos de ovomaltine preso na garganta.

Vozes talvez não sejam o ponto forte do diretor Chris Nolan, já que em “Batman Begins” mal dá para entender o que as alucinações produzidas pelas drogas do Espantalho (Cillian Murphy) querem dizer. E em “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (último filme da trilogia que estreia dia 27 de julho) o vilão Bane teve que passar por uma limpeza na voz, já que ele estava praticamente ininteligível. Uma pena, já que os diálogos construídos por Nolan são um dos pontos fortes de seus filmes.

Porém, o problema maior do roteiro foi a composição de personagens, que faz brotar uma questão assim que os créditos finais do filme aparecem: sobre quem é esse filme? Quem é o personagem principal?

- Tenho um plano brilhante pra mudar o nome desse filme...

Na lata consigo dizer que não é o Batman. Tanto é que nem no título original do filme o seu nome aparece (lembrando que originalmente o filme se chama apenas “The Dark Knight”). Aqui Batman é apenas um coadjuvante perdido em acontecimentos que estão fora de seu alcance e resolução. O herói não tem motivação suficiente para dar um passo adiante em cada investida, sempre choramingando e refém de regras ditadas pelo vilão Coringa (Heath Ledger).

Coringa que é o mais carismático de todos os personagens do filme, mas também não é o principal. Novamente sem motivação (entretanto, essa falta proposital é ressaltada no filme ao mencionar que ele “é apenas um cachorro louco atrás de um carro e não saberia o que fazer assim que o pegasse”, e que ele quer apenas ver “o circo pegando fogo”). Só que o Coringa não é antagonista do Batman no filme e sim antagonista de Harvey Dent (Aaron Eckhart), o grande protagonista da história.

A trama gira em torno de Dent. A história de sua ascensão e queda é mostrada desde o começo do filme. A busca por justiça, a perda da futura noiva, a sua corrupção. A Jornada do Herói, base de muitas histórias, está em Dent, não em Batman. O Homem Morcego só está lá para fazer número. O nome do filme, “Cavaleiro das Trevas”, refere-se ao Duas-Caras: o Cavaleiro Branco de Gotham que se torna um ser das trevas devido ao Coringa, e não é nem de longe referência à alcunha do Batman nos quadrinhos ou ao título da série clássica assinada por Frank Miller.

Para explicar a gama de personagens que não sabemos se são vilões, heróis, protagonistas, coadjuvantes, o filme se torna longo, uma grande montanha-russa de clímax que cansa ao ser assistido. A partir da metade final, tem-se sempre a impressão de que ele vai acabar na próxima cena. Não acaba e mais cansados ficamos.

Perceber isso ao final traz uma sensação ruim, como se fôssemos enganados desde o começo. Seria mais sincero se o filme se chamasse “As Aventuras de Duas-Caras & Coringa”. Nada mudaria e Ledger receberia a estatueta do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante da mesma forma.

E Ledger talvez seja o grande responsável por “Batman: O Cavaleiro das Trevas” ter alcançado o décimo segundo lugar na lista de maiores bilheterias da história do cinema: e não só apenas pela sua ótima atuação como o vilão Coringa, mas, também, devido à sua morte. Muitos espectadores foram ao cinema para ver o papel psicótico que o ator fez em seu último filme completado antes de morrer.

A competência de Christopher Nolan será provada com a estreia de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”. Se até lá nenhum ator que faz parte do elenco morrer, Nolan vai conseguir realmente colocar em prova ao que veio. Só esperamos que todas as falhas no filme considerado “perfeito”, não se repitam no final de julho.

 


2 respostas para “Indigestão: Batman – O Cavaleiro das Trevas”

  1. E num é que foi um filme com ainda mais falhas que o anterior? Dos tres, continuarei preferindo o Begins, por sua proposta mais humilde e honesta, ainda longe do hype que virou depois.

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