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Há uma linha talvez não muito perceptível que conecta este “Marcados para morrer” a “Polissia”, (ótimo) filme francês que passou pelos cinemas brasileiros recentemente. Os dois são uma reimaginação do filme policial, mais interessados em retratar a rotina desses profissionais, revelando-os como pessoas comuns tentando fazer o melhor de um trabalho difícil, nem sempre dando conta e pagando um preço alto por isso.
Mas enquanto o filme de Maiwenn lidava com o Batalhão de Proteção a Menores parisiense, o que trazia por si só uma forte carga emocional à história, o longa de David Ayer foca em dois membros da patrulha noturna de Los Angeles. Sem se preocupar muito com uma trama policial tradicional – com suas reviravoltas e traições – o filme é quase um estudo de personagem. E consequentemente, o quanto você vai gostar dele depende do quanto você simpatizar com seus dois protagonistas.
Eles são Brian Taylor e Mike Zavala, os típicos parceiros do gênero que substituem o “good cop, bad cop” por “good cop, better cop”. Enquanto em “Polissia” o vértice do aspecto documental era a chegada de uma fotógrafa, aqui a desculpa é o videodocumentário de Taylor para a disciplina de Cinema, sua eletiva no curso de Direito. Sua(s) câmera(s) capta(m) a cumplicidade dos parceiros – sua amizade, o humor típico dos círculos que eles habitam – e, claro, a tensão e o perigo do trabalho da ronda em uma vizinhança de LA marcada pelo narcotráfico e o conflito entre gangues.
Essa câmera documental é um recurso que o diretor e roteirista David Ayer e seu diretor de fotografia Roman Vasyanov trapaceiam logo com planos gerais e tomadas aéreas da cidade. Seu principal objetivo é aproximar o espectador dos personagens – tornando-os cúmplices da sua rotina – e isso ela faz muito bem. E, de quebra, render um tiroteio em primeira pessoa no final, que pela primeira vez traz a linguagem do videogame para o cinema organicamente.
Mas “Marcados para morrer” não é um filme de ação. É um trabalho de roteirista, bastante centrado no diálogo e na pesquisa. No convívio de Taylor com a família e os costumes mexicanos de Zavala, na chegada de Janet (Kendrick), a namorada de descendência irlandesa, e nos conflitos de gangues, o longa explora as tensões interculturais que definem LA hoje em dia, mas que são típicas de qualquer metrópole cosmopolita. Isso gera também um certo parentesco com “Crash”, inclusive nas limitações e simplificações na concepção do “Outro” decorrentes da determinação em fazer do policial o bom sujeito.
E se essa determinação não incomoda tanto é graças às atuações carismáticas e espontâneas de Jake Gyllenhaal e Michael Peña. O longa se constrói na interação dos dois e a cumplicidade e honestidade que eles conferem aos diálogos, reforçando o caráter documental almejado por Ayer, é essencial para o impacto emocional do último ato. Não é algo tão primal e marcante quanto “Polissia”, mas é coerente, honesto e inteligente – adjetivos raros para a produção recente do gênero.