Caos subjetivo


Desde 2013 o brasil está passando por uma crise institucional, um caos. Golpe, corrupção, esquemas, jogos de poderes e tantas outras coisas que nós como população não fazemos ideia do que acontece de verdade. Imersos em um efeito manada que colocou no poder um total incompetente sob a sombra de ser um herói contra vilões imaginários em um país decadente, cheios de mania de grandeza, como se fossemos de fato importantes. Começar o texto assim é subjetivo, subjetivo também é o nosso futuro. E em uma bagunça caótica que não sabemos ao certo onde vamos chegar, mas com um pessimismo que cresce no âmago, reencontrei a leitura de O. obra de Alexandre Teles e João Riveros.

Sensações

O. é o último quadrinho publicado pela Balão Editorial sob o selo Coleção Zug. Uma série que apresenta histórias curtas, impressas em um formato quadrado, bem pequeno, mas que o final é sempre pessimista. Escrevi aqui no Pílula sobre as outras obras, Todo Mundo é Feliz, Como na Quinta Série, Pobre Marinheiro e Mary.

Em O., que é praticamente um livro ilustrado sensorial, temos um personagem que circula toda a trama. Ele não é um ser, mas também não é um sentimento. Ele não é um local físico, mas pode ser um local no espaço e no tempo. O. é o artigo indefinido do futuro, e tal como o futuro, O. existe, mas sem ainda existir.

Desta maneira, O. é praticamente um ensaio, um recorte dos sentimentos dos autores sobre a sociedade, com uma preocupação enorme sobre o que estava acontecendo. Preocupação essa que crescia com medo, com a raiva. O. foi lançada em 2014, ainda quando a crise institucional não era bem uma crise, mas o efeito manada já estava se instaurando em uma boiada que, com os anos diminuiu, mas continua a seguir seu rei.

Premonição

Alexandre Teles é responsável pelo texto. Praticamente um poema moderno, sem métricas, mas que transborda um sentimento de urgência e preocupação. É um texto político e cheio de nuances. Fácil nos ver em suas linhas, e muito mais fácil ver o espelho de nossa sociedade, tão sedenta por sangue como nunca.

Sete anos depois do lançamento de O., mais do que nunca, parece que o texto era um ensaio sobre o que veríamos a seguir. E que ainda estamos vendo. Certeiro como uma premonição, mas que infelizmente, gostaria que Teles tivesse errado.

Para casar perfeitamente com o texto de Teles, João Riveros traz ilustrações que o abstrato com um real bizarro, tangenciando o experimentalismo de artistas como Dave McKean. Tintas brancas e vermelhas sobre o fundo preto, em uma densidade que lembra muito a sensação de sufocamento. De todos os títulos da Coleção Zug, O. pode ser o mais difícil, mas acredito que é o título que encarna melhor a sensação de “fim da linha e pessimismo” que o selo propõe, pois texto e imagem se completam para essa função.

Futuro incerto

As sensações que ficaram muito fortes em mim após a leitura de O. são justamente as indagações e as incertezas sobre o futuro. Teles e Riveros conseguem nos transportar de maneira bem íntima para nossos pensamentos, e o que pega muito mais, é conseguir ler tão claramente a jornada desses 2020 e 2021 nas páginas de uma HQ lançada anos antes.

O. é um grito que ecoa por anos, e que vai continuar reverberando por um tempo. Um grito sobre violência, sobre temores e principalmente, o grito sobre o que nossa população quer. Não se engane com retóricas, uma boa parcela de nossos vizinhos de pátria não quer justiça, bem emprego para todos, nem o fim da fome, muito menos o fim da corrupção.

Mas sim, quer sangue.

Tico Pedrosa é publicitário, roteirista, escritor, professor e criador de conteúdo. Fã de quadrinho desde sempre. Você pode conferir as ideias dele no instagram e twitter.


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