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“Jogo de poder” é o tipo de filme que vai te deixar com raiva ao sair do cinema. E que demanda atenção, cheio de diálogos longos, densos, por vezes expositivos e beirando o didatismo. Mas é necessário. Porque não quer discutir se Valerie Plame, a espiã da CIA que teve sua identidade revelada ao público pelo governo dos EUA em 2003, era boa, certa, honesta ou heroica. Mas sim se o que fizeram com ela foi uma puta falta de sacanagem. Daquelas que fazem pensar: se chegaram a esse ponto, o que mais podem ter feito?
Naomi Watts interpreta a tal Valerie que, enquanto se passava por típica mãe de família e esposa de classe média, comandava algumas das principais operações secretas dos EUA no Oriente Médio. Casada com o ex-embaixador Joe Wilson (Penn), ela vê sua vida virar do avesso quando ele escreve um artigo que coloca em cheque a afirmação do governo norte-americano de que existiam provas de armas nucleares no Iraque. Para tirar o assunto das manchetes, a administração Bush vazou a identidade de Plame para os jornais, botando em dúvida a lealdade do casal ao país e a validade dos argumentos de Wilson.
O diretor Doug Liman chama o mínimo de atenção para a realização, focando o longa no conteúdo e nas informações dos diálogos. Mesmo as atuações são contidas, sem grandes cenas ou arroubos merylstreepianos. O objetivo é claro e esbarra no discurso panfletário. Mas os fatos são tão contundentes que a revolta eventualmente supera a sensação de que a produção nunca deslancha como filme, alicerçando-se 100% na história em que se baseia.
Watts tem a função mais difícil do longa, já que como Plame ela nunca tem a chance de extravasar seus sentimentos ou revidar os ataques. Mesmo após ser demitida e achincalhada na imprensa, a espiã manteve sua fidelidade ao código de conduta da CIA e se negou a falar sobre o trabalho ou se defender. Sua passividade chega a ser irritante e, somente na cena em que percebemos que ela encara aquilo tudo como uma sessão de tortura à qual deve resistir, temos ideia da força interior da protagonista.
Resta a Sean Penn brigar e expressar toda a indignação de quem assistiu ao freak show da administração Bush. O ator é provavelmente o único capaz de proferir as falas de Joe Wilson, um intelectual “dono da verdade” que beira a arrogância inconsequente, e ainda assim nos fazer concordar com cada linha que ele diz – e a responsabilidade que tem de dizê-las. É um papel que Penn nasceu para interpretar e a cena em que Joe sai de um táxi expressa a vergonha de todos os liberais norte-americanos que ele representa ali.
Se o filme falha em nos fazer acreditar e sentir mais pelo casamento de Valerie e Joe (o centro emocional do longa), o respeito e admiração que eles declaram um pelo outro no final superam essas falhas. São os valores que Liman quer defender com seu filme – e que Bush fez o mundo perder pelos EUA.