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A depressão é um processo intrincado: você passa a odiar de tal forma a pessoa que te olha no espelho que fica impossível acreditar que alguém mais seja capaz de gostar dela. Para fugir dessa repugnância constante de habitar a própria pele, os dois protagonistas de “Um novo despertar” (mais uma tradução mentirosa) transportam-se para outras personas.
O pai, Walter Black (Gibson), começa a se comunicar com o mundo através de um castor-fantoche. O filho, Porter (Yelchin), lista as similaridades com o pai para exorcizá-las de sua vida e escreve trabalhos se passando pelos colegas, resolvendo os problemas dos outros para ignorar os seus.
O segredo do roteiro de Kyle Killen é que, quando você começa a achar que ele quer te vender essa atitude como uma receita de auto-ajuda – sintetizada em um monólogo televisionado e interpretado impecavelmente por Mel Gibson – o filme vira do avesso. Ele te passa uma rasteira, acerta um cruzado no estômago e afirma algo que não queremos ouvir no cinema: a vida é MUITO difícil. E às vezes quando tentamos lidar com ela, acabamos errando e machucando a nós mesmos e as pessoas que mais amamos.
Por isso mesmo, não se trata de um filme fácil. Nem agradável. Porque NÃO HÁ um novo despertar na história. Existe, no máximo, tentativa e erro. Jodie Foster – que assume também o papel de Meredith, esposa de Walter – dirige um filme melancólico, sobre uma família que habita uma casa de tons azuis frios e parece ter esquecido o que é calor humano há muito tempo.
A paleta sóbria e o tango da trilha de Marcelo Zarvos avisam o espectador de que a trama está mais próxima de uma tragédia do que da comédia que pode aparentar em certas cenas. A música, por sinal, é um dos sintomas do principal problema do filme: ininterrupta no início, ela tenta amarrar um primeiro ato frouxo e irregular, tornando-se inevitavelmente irritante, por mais bem composta que seja.
Foster, claro, se mostra mais à vontade com seu elenco. Dos adolescentes de Jennifer Lawrence e Anton Yelchin à performance assustadora de Gibson, a atriz-cineasta simplesmente escalou quem queria e deixa que eles tornem seus os papéis, sabendo o porquê de ter escolhido cada um deles.
Com sérios problemas de ritmo e carecendo de uma mão mais firme para o crescendo angustiante do ato final, “Um novo despertar” é um misto do humanismo peculiar de “Mais estranho que a ficção” e “A garota ideal” com a melancolia de “Sinédoque, Nova Iorque”. É um filme que, mesmo com seus defeitos, ostenta o simples mérito de ter sido realizado, já que Hollywood se recusa a produzir qualquer coisa que faça pensar ultimamente.
Que é exatamente o que Jodie Foster entrega. Um longa que faz sair do cinema refletindo sobre responsabilidade: com nós mesmos, com os outros. E como conviver com ela é difícil. Demanda coragem. A mesma que é preciso ter para encarar “Um novo despertar”.