Um novo despertar


Nossa avaliação

[xrr rating=3.5/5]

A depressão é um processo intrincado: você passa a odiar de tal forma a pessoa que te olha no espelho que fica impossível acreditar que alguém mais seja capaz de gostar dela. Para fugir dessa repugnância constante de habitar a própria pele, os dois protagonistas de “Um novo despertar” (mais uma tradução mentirosa) transportam-se para outras personas.

O pai, Walter Black (Gibson), começa a se comunicar com o mundo através de um castor-fantoche. O filho, Porter (Yelchin), lista as similaridades com o pai para exorcizá-las de sua vida e escreve trabalhos se passando pelos colegas, resolvendo os problemas dos outros para ignorar os seus.

O segredo do roteiro de Kyle Killen é que, quando você começa a achar que ele quer te vender essa atitude como uma receita de auto-ajuda – sintetizada em um monólogo televisionado e interpretado impecavelmente por Mel Gibson – o filme vira do avesso. Ele te passa uma rasteira, acerta um cruzado no estômago e afirma algo que não queremos ouvir no cinema: a vida é MUITO difícil. E às vezes quando tentamos lidar com ela, acabamos errando e machucando a nós mesmos e as pessoas que mais amamos.

Ei, pirralho, não discuto com quem não tem pelo menos uma indicação ao Oscar.

Por isso mesmo, não se trata de um filme fácil. Nem agradável. Porque NÃO HÁ um novo despertar na história. Existe, no máximo, tentativa e erro. Jodie Foster – que assume também o papel de Meredith, esposa de Walter – dirige um filme melancólico, sobre uma família que habita uma casa de tons azuis frios e parece ter esquecido o que é calor humano há muito tempo.

A paleta sóbria e o tango da trilha de Marcelo Zarvos avisam o espectador de que a trama está mais próxima de uma tragédia do que da comédia que pode aparentar em certas cenas. A música, por sinal, é um dos sintomas do principal problema do filme: ininterrupta no início, ela tenta amarrar um primeiro ato frouxo e irregular, tornando-se inevitavelmente irritante, por mais bem composta que seja.

Foster, claro, se mostra mais à vontade com seu elenco. Dos adolescentes de Jennifer Lawrence e Anton Yelchin à performance assustadora de Gibson, a atriz-cineasta simplesmente escalou quem queria e deixa que eles tornem seus os papéis, sabendo o porquê de ter escolhido cada um deles.

Com sérios problemas de ritmo e carecendo de uma mão mais firme para o crescendo angustiante do ato final, “Um novo despertar” é um misto do humanismo peculiar de “Mais estranho que a ficção” e “A garota ideal” com a melancolia de “Sinédoque, Nova Iorque”. É um filme que, mesmo com seus defeitos, ostenta o simples mérito de ter sido realizado, já que Hollywood se recusa a produzir qualquer coisa que faça pensar ultimamente.

Que é exatamente o que Jodie Foster entrega. Um longa que faz sair do cinema refletindo sobre responsabilidade: com nós mesmos, com os outros. E como conviver com ela é difícil. Demanda coragem. A mesma que é preciso ter para encarar “Um novo despertar”.


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