Na Prateleira: Freaks and Geeks (1999)


Nossa avaliação

Colégio William McKinley, 1980. A legenda abre o episódio piloto de uma série de televisão para, em seguida, mostrar um jogador de futebol americano conversando com uma cheerleader na arquibancada da escola. O diálogo é banal, romântico e termina com um beijo. Só aí a câmera faz um movimento para baixo, passando pela estrutura de ferro da arquibancada e revelando um grupo de jovens ali, nas sombras. O recado não poderia ser mais claro: aqui você não vai encontrar os populares bonitinhos daqueles filmes de adolescentes. Nós queremos mostrar os que estão à margem da “sociedade colegial” dos Estados Unidos.

A proposta parecia ousada, e foi mesmo. “Freaks and Geeks” estreou em 1999 e durou apenas 18 episódios. Por trás das câmeras, Judd Apatow e Paul Feig. Na frente delas, James Franco, Seth Rogen, Jason Segel, Linda Cardellini e Ben Foster.

A história dos episódios seguia sempre dois irmãos, em tramas paralelas que acabavam uma por espelhar a outra. Sam Weir (John Francis Daley) tem 14 anos de idade e anda sempre com seus amigos geeks, Neal e Bill. Os três nerds (responsáveis pelas referências pop dos anos 70/80) estão o tempo inteiro se colocando em confusões na tentativa de se integrarem na ordem social da escola, buscando sempre abandonar o “gueto” dos impopulares e fazerem parte da turma cool.

Já Lindsay Weir (Cardellini), irmã mais velha de Sam, resolve mudar sua vida de aluna perfeita, orgulho dos pais e “matematleta” ao tentar entrar para o grupo dos freaks, os esquisitões liderados por Daniel (Franco): Ken (Rogen), Nick (Segel) e Kim (Busy Philips).

Os freaks...

A busca dos dois irmãos por uma identidade dentro da escola é tratada sempre com muito humor, mas também com algumas pitadinhas de drama e muita vergonha alheia. Na verdade, Sam e Lindsay parecem ser os únicos personagens normais em toda a série, servindo de identificação para o público no estranhamento diante das atitudes dos freaks e dos geeks.

O roteiro de Feig e a produção de Apatow já contêm muito do humor politicamente incorreto que faria o sucesso dos dois em Hollywood anos depois. Enquanto Feig continuaria na televisão, dirigindo séries como “Arrested Development”, “30 Rock”, “Weeds”, “The Office” e “Bored to Death”, Apatow seria declarado o novo rei da comédia no cinema, com “O Virgem de 40 Anos” e “Ligeiramente Grávidos”. Em “Freaks and Geeks”, os dois mostram um novo estilo de fazer humor ainda em construção, que apesar de (ou exatamente por) não estar bem lapidado, possui uma irreverência viva, quase anárquica.

Os episódios são um melhor do que o outro, em uma evolução constante que te faz sempre conhecer melhor os personagens ao mesmo tempo em que apresenta situações absurdamente hilárias.  Algumas jóias do humor negro de Apatow e Feig estão no olhar diferenciado para atividades comuns, como Lindsay tentando ensinar Matemática para Daniel, ou Nick fazendo teste para ser baterista de uma banda. Nestes momentos, a genialidade dos produtores revela-se na fusão de uma abordagem surpreendente das situações com um carinho imenso por aqueles personagens.

... E os geeks.

“Carded and Discarded”, por exemplo, é um episódio que acompanha a amizade de Sam, Neal e Bill com uma linda garota recém-chegada na escola. A trama se desenvolve a partir do momento em que eles percebem que a menina é bonita e simpática demais para andar com eles, e logo fará parte do grupo dos populares, esquecendo-se dos amigos. As tentativas desesperadas do trio para que ela não faça contato com as garotas populares são mostradas com muito humor, mas o episódio inteiro é recheado de uma melancolia tipicamente adolescente: sabendo que o inevitável chegará mais cedo ou mais tarde, eles resolvem apenas curtir os poucos momentos de alegria que ainda restam ao lado da menina.

Apesar de Sam e Lindsay serem os protagonistas, eles acabam sendo sempre ofuscados pelos coadjuvantes (afinal, são os únicos “normais”, e por isso, com menos graça). Seth Rogen aproveita bem seu personagem mal-humorado para fazer humor a partir de grosserias. Já Jason Segel é o mais próximo de um galã romântico que “Freaks and Geeks” possui: ingênuo, sonhador e apaixonado por Lindsay, ele faz rir apenas com o jeito de bobalhão, algo que iria aproveitar nos seus filmes seguintes. Do lado dos geeks, Martin Starr destila nerdice como Bill, enquanto o Neal de Samm Levine consegue transformar o excesso de formalidade em piada.

Mas quem domina os episódios é mesmo James Franco. Ainda anos antes de virar apresentador do Oscar, a aura de astro já está toda lá. Seu Daniel rouba todas as cenas sem fazer muito esforço. Não se trata de nenhuma grande atuação, mas o personagem, um típico anti-herói que teria todos os motivos para ser odiado, consegue ser simpático graças ao ator. O carisma de Franco é fundamental para que consigamos entender a admiração que aquela figura individualista e irresponsável causa nos amigos. O jeito malandro que o ator demonstra em todas as suas entrevistas funciona muito bem no personagem, tão bem que é de se perguntar se ele não estava fazendo o papel de si mesmo.

“Freaks and Geeks” não foi bem compreendido pelo público na sua época (apesar de ganhar o Emmy de Melhor Elenco de Comédia). Cancelada no ano 2000, a série (que no Brasil foi exibida no Multishow) possui todos os ingredientes das atuais comédias de sucesso. São personagens disfuncionais em situações cotidianas tratadas com um humor nada sutil, construído a partir das agruras de alguém. São 18 pérolas da comédia hollywoodiana que merecem ser redescobertas.


6 respostas para “Na Prateleira: Freaks and Geeks (1999)”

  1. acabei de assistir a série. baixei, e indico pra quem quiser um seriado irreverente e ao mesmo tempo comovente. é impossível não sentir-se nostálgico, e lamentar muito pelo seriado ter acabado logo na primeira temporada. excelente post, parabéns.

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